Título: Linha dura contra o roubo de cargas
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2005, Metrópole, p. C1

Toda mercadoria deverá ter número de série e lote. Quem for pego com carga roubada perderá bens móveis e imóveis usados para o transporte, guarda e venda da mercadoria, como caminhões, depósitos e lojas. Quem não der baixa em veículo vendido como sucata pagará até R$ 10 mil de multa. A indústria deverá pôr mecanismos antifurto nos veículos e quem colocar dispositivos adicionais terá desconto no seguro. Tais medidas fazem parte do projeto que cria o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas, aprovado no dia 6 pela Câmara dos Deputados. Foram 334 votos a zero. O projeto, do deputado Mário Negromonte (PP-BA), chegou quarta-feira ao Senado. Ele já conta com o apoio da poderosa Federação do Comércio de São Paulo e de especialistas em segurança e de empresas de transporte. "Trata-se de um dos mais duros golpes contra o crime organizado no País", disse Roberto Mira, coordenador nacional de Segurança da Associação Nacional das Transportadoras Rodoviárias de Cargas.

As quadrilhas especializadas em roubo e desvio de cargas causam prejuízo estimado em R$ 1 bilhão por ano no País. Só em 2004, os bandidos atacaram 11,4 mil vezes no Brasil - foram 4 mil roubos em estradas e os demais nas cidades. "Sabemos que a lei não precisará de regulamentação e de ações dos governos para ter eficácia, mas o importante é que, com base nela, poderemos cobrar o poder público", disse o coronel Paulo Roberto de Souza, do Sindicato das Transportadores de Cargas de São Paulo (Setcesp).

O sistema nacional contra os roubos deverá ter um banco de dados mantido pelo governo federal sobre cargas, veículos roubados. Esse banco deverá ser interligado com os dos Estados.

As Receitas Estaduais e Federal terão de participar do combate a esse crime. "Hoje, ao constatar que uma mercadoria é vendida sem origem comprovada, a Receita dá 30 dias para a apresentação da nota e depois aplica a multa, mas não é obrigada a informar a polícia. Isso vai acabar", disse Souza.

Essa foi uma das sugestões que a polícia apresentou à Câmara durante a longa tramitação do texto, que levou dez anos. Para o delegado Godofredo Bittencourt Filho, diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), o projeto é bom e vai "ajudar a polícia a fiscalizar, prender e fazer doer no bolso de quem vive do roubo de cargas". Ao instituir a perda de todos os bens usados no transporte e venda de bens roubados, a proposta tenta transformar a receptação em uma atividade de alto risco, capaz de dar um prejuízo considerável a quem compra produtos roubados - hoje ele só perde a carga.

Outra medida do projeto pode ter efeito sobre a sonegação fiscal. A lei prevê que toda a mercadoria produzida pela indústria brasileira seja identificada pelo número de lote e de unidade. Assim, um lote de dez mil televisores deverá ser numerado de 1 a 10 mi. Hoje, quando uma parte de um lote é roubada é difícil para a polícia provar que o bem vendido pelo receptador tem origem ilícita. Isso acabará quando os produtos tiverem os números de série.

A medida também vai eliminar a sonegação pelo esquema da "nota elástica". Isso ocorre, por exemplo, quando uma empresa produz 20 mil aparelhos de TV e lança nota fiscal de mil televisores. Faz, então, 20 viagens para transportar o produto com a mesma nota - como se trata de um só lote, a fiscalização não tem como saber que o documento já foi usado anteriormente. Com isso, a empresa deixa de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Outro setor que deverá ser atingido pela nova lei é o de desmanches de veículos. É que ela estabelece multa de R$ 2 mil a R$ 10 mil para quem não der baixa em um veículo vendido como sucata. Desmanches ligados ao crime organizado compram a sucata por preços mínimos e usam o documento do veículo para esquentar a venda de partes de carros roubados. Como não havia punição para a falta da baixa, o mesmo documento era usado para justificar a origem de vários veículos . No futuro, a prática vai custar caro.

Para a polícia, a medida ainda não é a ideal. "Os desmanches deveriam ser obrigados a manter o número do chassis do veículo vendido como sucata", disse Bittencourt. Hoje o número é recortado das peças.