Título: Um novo modelo de desenvolvimento
Autor: Guido Mantega
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

O Brasil vive hoje situação particularmente favorável, que nos permite projetar para 2006 um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de 5%. Será o terceiro ano de crescimento consecutivo, fato raro nos últimos 20 anos e a consolidação de um novo modelo de desenvolvimento. Não se trata de otimismo gratuito, inspirado pela proximidade das festas natalinas, mas de uma avaliação consistente das condições objetivas criadas por um conjunto de circunstâncias, com destaque para as políticas socioeconômicas, implementadas pelo governo Lula. Freqüentemente jornalistas me perguntam quais os equívocos da política econômica do governo Lula. Tenho respondido, sem exagero ou constrangimento, que se trata da melhor política econômica praticada no Brasil nos últimos 20 anos. Uma política se mede pelos seus resultados e é justamente isso que convido o leitor a fazer. Vou mais longe e afirmo que não só o Brasil já enveredou para a trilha do crescimento, em bases sólidas, como esse crescimento está adquirindo particularidades ou características especiais que nos permitem classificá-lo de desenvolvimento socioeconômico. Estamos falando de uma conceituação utilizada por Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares e outros desenvolvimentistas, que postulavam um tipo especial de crescimento, combinando expansão mais vigorosa da economia com aumento de produtividade, redução da dependência externa, geração de empregos e, por último, mas não menos importante, redução das desigualdades sociais e regionais.

A rigor, tivemos no Brasil taxas maiores de crescimento do que as observadas no período recente. Eram, porém, acompanhadas de condições desfavoráveis, que tornavam essa expansão menos duradoura, e quase sempre com distribuição desigual de riqueza. Já vivemos períodos de expansão, alimentados seja pelo aumento do endividamento público ou pelo aumento do endividamento externo, e num cenário de inflação crescente. Tivemos também crescimento altamente concentrado nas mãos de poucos afortunados.

Por isso podemos afirmar que agora estamos diante de um crescimento qualitativamente diferente, com base em condições inéditas, resultado de políticas econômicas e sociais essencialmente eficientes e bem talhadas, secundadas por circunstâncias favoráveis no cenário internacional.

Por um lado, o crescimento de 2004 e 2005 está fundado numa política fiscal consistente (mais eficiente que a do governo anterior) e numa política externa e de comércio exterior que reduziu a vulnerabilidade e nos transformou de coadjuvantes em protagonistas da globalização. Em segundo lugar, a política industrial e tecnológica, combinada com a verdadeira revolução que se faz no crédito e no marco normativo, tem estimulado os investimentos na indústria, na agricultura e mesmo nos serviços. Em terceiro lugar, estão o apoio a pequenas e médias empresas e os programas sociais do governo, que reduzem a miséria absoluta, aumentam o mercado de consumo e diminuem as desigualdades por todo o País.

Para comprovar minhas hipóteses, basta observar alguns dados econômicos e sociais bastante significativos. Enquanto de 1990 a 2002 a média anual de crescimento ficava abaixo de 2% e a de 1995 a 2002, em 2,33%, nos últimos três anos (considerando o ano de transição de 2003) ficou em 2,83% - e vem subindo. Importa ressaltar que até 2002 a indústria, que costuma capitanear os ciclos de expansão, esteve praticamente estagnada, com a produtividade aumentando à custa da redução de postos de trabalho. A partir de 2003, a indústria passou a crescer a taxas de quase 4% ao ano, com aumento de produtividade de 2,91% ao ano no período e - pasmem - com aumento do nível de emprego industrial em torno de 5,5% ao ano. Portanto, estamos diante da combinação de crescimento com produtividade e emprego. Convém destacar o menor nível de desemprego dos últimos quatro anos, a redução da miséria e a melhora das condições de vida dos segmentos menos afortunados da sociedade.

A massa salarial está crescendo 5% este ano e o salário real esboça uma recuperação, depois de anos em depressão. Afinal de contas, quando foi que tivemos essa combinação tão favorável de fatores no Brasil?

Diante da queda da inflação nos principais indicadores de atacado, teremos uma menor pressão inflacionária dos preços administrados e a possibilidade de que a taxa Selic continue sua trajetória descendente por mais tempo, reduzindo as margens de arbitragem sobre o real e possibilitando uma valorização do dólar.

Este cenário extremamente favorável indica que a economia brasileira tem um grande potencial de crescimento, que poderá ser posto em prática à medida que as taxas de juros forem caindo para patamares mais adequados. E aqui não se trata de condenar a política monetária, uma vez que a política de metas de inflação tem sido eficiente (desde que não tratada com rigidez). Mas, sim, de afirmar que com uma graduação mais favorável dos juros (com conseqüente melhoria do câmbio) será possível aproveitar melhor o potencial da economia brasileira e consolidar um novo ciclo de desenvolvimento no País.

Continuando nessa rota e com a graduação mais adequada da política de juros, estaremos muito próximos de realizar o velho sonho de desenvolvimento equilibrado e com justiça social de todos os brasileiros.