Título: Cerco à lavagem de dinheiro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Com o objetivo de ampliar e modernizar os instrumentos jurídicos de combate ao crime organizado, ao desvio de recursos públicos e às operações de lavagem de dinheiro, 29 órgãos públicos e 15 instituições representativas de importantes segmentos da sociedade reuniram-se recentemente durante quatro dias, em Vitória. Este foi o terceiro ano consecutivo em que dirigentes do Ministério da Justiça, técnicos do Banco Central, auditores da Receita Federal, procuradores da República, promotores de Justiça, juízes e representantes da iniciativa privada se encontraram para definir, de comum acordo, medidas concretas a serem postas em prática nos próximos meses. Embora vários jornalistas presentes tenham interpretado a reunião como uma resposta do governo Lula às investigações de corrupção envolvendo o PT, na realidade ela já estava prevista há muito tempo. Desde o final dos anos 80, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a Convenção de Combate à Corrupção, realizada em Viena, e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), para incorporar a moderna tecnologia ao combate ao narcotráfico, ao contrabando e ao terrorismo, os países ricos vêm pressionando as nações emergentes a modernizar e uniformizar sua legislação penal. Com o tempo, outros organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, também passaram a fazer as mesmas pressões.

Em resposta, o Brasil editou em 1988 a Lei nº 9.683, com o objetivo de coibir a lavagem de dinheiro, e a alterou em 2002 e 2003 - entre outros motivos para criar, à imagem e semelhança do Gafi, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A partir daí, casos como o esquema de tráfico de influência montado por fiscais cariocas liderados por um subsecretário da governadora Rosinha Garotinho, o escândalo Waldomiro Diniz, as denúncias de remessa para o exterior de dinheiro ilícito apresentadas contra o ex-prefeito Paulo Maluf, a CPI do Banestado e as Operações Anaconda e Gafanhoto passaram a exigir das autoridades governamentais mais criatividade jurídica no combate ao crime organizado. A reunião de Vitória é resposta a essa exigência.

Entre as medidas práticas nela definidas, algumas - como a criação de um cadastro nacional de bens apreendidos e a uniformização dos registros de imóveis - são bastante simples e já podiam ter sido adotadas há tempo. Entre as providências mais inovadoras, destaca-se a criação da figura das "pessoas expostas politicamente" (PEPs). Inspirada nas leis da União Européia, ela obriga os bancos a realizar um acompanhamento sistemático das movimentações de determinados clientes e pessoas a eles relacionadas, como políticos, ministros, empresários e pessoas sempre presentes na mídia.

No encontro de Vitória, optou-se por excluir os donos de empresas da PEPs e discutir a inclusão de chefes de gabinete, secretários de governo e funcionários públicos do segundo e terceiro escalão, além de ministros e parlamentares. A definição do conceito de PEPs caberá à Controladoria-Geral da União e deverá estar pronta em março e o Banco Central tem até junho para regulamentar a inovação. A idéia é colocá-la em prática antes do início da campanha eleitoral.

Entre as medidas que devem causar polêmica, destacam-se duas. Uma é a restauração de um sistema de informações sobre a entrada e a saída de brasileiros do País - um dispositivo abolido pelo governo Collor e que, dependendo do modo como for aplicado, pode configurar mais uma investida contra direitos individuais. A outra medida diz respeito à preservação do sigilo nas investigações do Ministério Público. A irresponsabilidade de muitos promotores e procuradores, que não hesitam em vazar informações à imprensa, em busca dos holofotes, vem prejudicando acordos de cooperação com outros países, como a Suíça, EUA e Bahamas. O problema é que, para enquadrar o Ministério Público, corre-se o risco de esvaziar parte das prerrogativas da instituição.

No conjunto, porém, as medidas aprovadas em Vitória se inspiram em experiências bem-sucedidas nos países ricos. E, se forem implementadas sem ferir as garantias fundamentais, têm tudo para vingar.