Título: Morales ganha eleição na Bolívia
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2005, Internacional, p. A8

O ex-líder cocaleiro Evo Morales é o novo presidente da Bolívia. Com 80% dos votos contados na apuração paralela do Instituto Mori, o candidato do Movimento ao Socialismo (MAS) ultrapassava ao número mágico de 50% dos votos que lhe garantia a vitória já no primeiro turno. O segundo colocado, o ex-presidente conservador Jorge Tuto Quiroga, do Poder Democrático e Social (Podemos) obtinha 31%. Antes mesmo da divulgação do resultado final, Quiroga reconheceu a derrota, cumprimentou Morales pelo triunfo e prometeu continuar ¿lutando pela Bolívia¿, como líder da oposição. Em terceiro, vinha o milionário Samuel Doria Medina, da Unidade Nacional (UN), com 9%, seguido de Michitaki Nagatami, do Movimento Nacional Revolucionário (MNR), com 7%. Os números da apuração refletiram muito mais o que se sentia pelas ruas de La Paz, Cochabamba e Santa Cruz de la Sierra nos últimos dias do que as cifras das pesquisas divulgadas durante a semana, a última das quais dava 34% para Morales e 29% para Quiroga. Mal os primeiros resultados de boca-de-urna tinham sido divulgados, uma pequena multidão começou a concentrar-se na frente do quartel-general da campanha de Morales.

Confirmados os resultados, o MAS obterá 65 das 130 cadeiras da Câmara de Deputados e 13 das 27 vagas do Senado. Fica a apenas um voto da maioria de 50% mais 1 no Congresso.

¿A julgar por esses números, para o bem ou para mal, essas eleições estabelecem uma nova ordem política na Bolívia¿, afirma o analista da rede de TV Unitel Sergio Antelo. ¿Há décadas que não elegemos um presidente com uma votação tão grande e praticamente com a maioria relativa do Congresso.¿ Uma entrevista coletiva com o candidato à vice-presidência da chapa do MAS, Álvaro García Linera, estava marcada para as 18h30 (20h30 de Brasília).

Dezenas de militantes dançavam em meio a repórteres e cinegrafistas na pequena sala de imprensa improvisada no comitê, abafada e impregnada pela fumaça de dúzias de cigarros acesos ao mesmo tempo. Duas horas depois do horário marcado, García Linera ainda não tinha chegado.

A euforia dos militantes do MAS contrastava com os rostos tensos e o silêncio de outras dezenas de partidários do Podemos na sala de imprensa do partido instalada em um dos elegantes salões do Hotel Radisson ¿ onde um telão tinha sido instalado. Antes do pronunciamento de Quiroga, ainda se mantinha a esperança de reverter o quadro no segundo turno, no Congresso. ¿Ainda não temos nada para falar¿, disse ao Estado o porta-voz da campanha de Quiroga, Hernán Terrazas.

¿Vamos esperar os resultados oficiais.¿ Ainda que o triunfo de Morales no primeiro turno não se confirmasse, a forte votação lhe dava amplo favoritismo para o segundo turno no Congresso. Nas últimas semanas, sinais de conciliação entre o MAS e a UN demonstravam a disposição dos dois partidos de evitar a potencialmente desastrosa reversão do resultado das urnas na votação do Congresso. Na quarta-feira, Morales admitiu negociar com os demais partidos políticos da Bolívia para garantir condições de governabilidade. No sábado, por seu lado, Doria Medina declarou que o candidato vencedor na votação popular - principalmente se esse triunfo se desse por mais de cinco pontos porcentuais de vantagem - deveria assumir a presidência.

Como prêmio de consolação, o Podemos elegeu quatro governadores (prefectos) dos nove departamentos (províncias) do país, incluindo La Paz. Três foram eleitos por agrupações políticas regionais - mais próximas do Podemos do que do MAS.