Título: 'Onde estão as sangrentas eleições que veio cobrir?'
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2005, Internacional, p. A8

Cenário de violentos choques entre manifestantes e policiais nos últimos anos, a Praça Murillo, no centro de La Paz, era a imagem mais representativa da tranqüilidade em que transcorriam as eleições bolivianas. Na frente da sede do governo e do Legislativo, os pacenhos aproveitaram o domingo de sol para passear, alimentaros pombos, passear com cachorros e andar de bicicleta pelas ruas vazias - por causa do rigor da Corte Nacional Eleitoral, que proibiu a circulação de veículos particulares na cidade. Não fosse a forte presença de policiais - pelo menos uma dupla de agentes em cada esquina da cidade - e as conversas sobre política que predominavam em alguns grupos de cidadãos, havia poucos sinais de que era um dia de eleição. Na verdade, a trégua eleitoral de três dias, a rigorosa proibição das campanhas de boca-de-urna e a restrição do tráfego de veículos se converteram o que se convencionou chamar de festa da democracia num quase tedioso domingo ensolarado.

"Onde estão as sangrentas eleições que veio cobrir, senhor?", brinca um aposentado na Praça Murillo, dirigindo-se ao repórter do Estado. "Talvez na Bósnia, ou no Iraque", responde outro, também rindo.

A brincadeira, no fundo, esconde um certo ressentimento dos bolivianos em relação à imprensa internacional, à qual acusam de exagerar no noticiário sobre os distúrbios de junho deste ano, que resultaram na renúncia do presidente Carlos Mesa, e de outubro de 2003, que derrubaram Gonzalo Sánchez de Lozada. "A questão aqui é que o povo está cada vez mais consciente de seus direitos e está cansado de maus governos. Então, se o governo é ruim, nós derrubamos", diz Juan Martínez, que aproveita a calma da cidade para passear com seu cão, Alvín, pelas ruas do bairro de Sopocachi.

Mesmo na frente da sede do quartel-general do Movimento ao Socialismo (MAS), de Evo Morales, o movimento era pequeno. Cerca de uma dúzia de simpatizantes esperavam por camisetas e bonés do lado de fora do comitê.

Nos centros de votação, como o Colégio Domingos Sálvio, em Calacoto, distrito de classe média alta da zona sul de La Paz, a maior parte dos eleitores votou pela manhã. Filas se formaram em algumas secções durante esse período. Mas, de acordo com as autoridades eleitorais, os eleitores gastaram em média dez minutos para votar.

A regra de tranqülidade só foi quebrada por um início de enfrentamento entre partidários do MAS e do Poder Democrático e Social (Podemos), do candidato Jorge Tuto Quiroga, em El Alto, na zona metropolitana de La Paz - logo sufocado pelas forças de segurança. A Corte Nacional de Eleições também recebeu algumas reclamações de eleitores que se queixaram de não ter encontrado seus nomes nas listas de votação, apesar de terem se registrado.