Título: Nos bastidores, G-20 esteve à beira do racha
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/12/2005, Economia & Negócios, p. B5

Gritos, socos na mesa, tensão, ameaças, divisões, reuniões secretas e muita troca de acusações. Foi assim que os principais ministros dos países mais importantes passaram as últimas 24 horas das negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong antes da conclusão do acordo. O chanceler Celso Amorim chegou a abandonar a sala de negociações e até o G-20 (grupo criado pelo Brasil, China e Índia) esteve à beira de um racha. Com o ¿núcleo duro¿ da OMC em crise, negociadores apontam que o clima da reunião foi um dos piores já vistos e o próprio diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, já se questiona como fará para fazer com que os ministros voltem a se falar em 2006 para completar a rodada. Para o comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, ¿a Rodada Doha tem energia para durar apenas mais um ano¿. O acordo desta semana começou a ser definido as 22h30 do sábado numa reunião entre os 26 principais ministros e terminou apenas às 9 horas de ontem. Foi a partir do debate nessa reunião que Lamy produziu o último rascunho da declaração, que seria aprovado algumas horas depois. O Estado teve acesso à uma gravação feita por um dos delegados que participou da reunião e constatou que, em alguns momentos, a discussão poderia ter fracassado e uma divisão do G-20 esteve prestes a ocorrer.

Um dos pontos centrais da reunião foi o debate sobre o corte de subsídios. Brasil e Estados Unidos, apoiados por Lamy, queriam o fim do mecanismo em 2010, mesma data acordado por todo o G-20. Para os europeus, a única possibilidade seria 2013. Depois de muito debate, China e Índia, parceiros do Brasil no G-20, indicaram que aceitariam a data proposta pelos europeus. O anúncio foi seguido por outros países em desenvolvimento, deixando o Brasil isolado. Amorim optou nesse momento por deixar a sala de negociações e retirou toda a delegação brasileira da reunião. Antes de o chanceler brasileiro sair da reunião, o representante de Comércio da Casa Branca, Rob Portman, pediu que o brasileiro permanecesse, o que não foi atendido pelo chanceler, isolado dentro do próprio grupo que criou. O americano deixou também a reunião para convencer Amorim a voltar, o que acabou ocorrendo.

O chanceler então sugeriu que a data de 2013 fosse mantida para o fim dos subsídios, mas que os europeus realizassem um corte substancial de seus subsídios em 2010. Washington saiu em defesa da proposta. Portman lembrou que em vários momentos da noite foi obrigado a consultar a Casa Branca por telefone para buscar instruções. Pouco a pouco, vários países emergentes também aderiram à idéia. Nesse momento, o diretor da OMC indicou a Mandelson que ele deveria aceitar o acordo.

A reação de Mandelson, porém, foi a de atacar a Lamy, que já foi comissário de Comércio da própria UE. ¿O senhor não é mais o comissário da Europa. Sou eu o responsável pela política comercial européia¿, afirmou o britânico Mandelson. O comissário europeu passou a gritar contra todos os demais países. ¿Vocês querem que uma minoria dentro da UE impeça um acordo?¿, questionava aos berros Mandelson, prevendo um veto francês e de outros membros da UE. ¿Isso só pode ser um manobra e conspiração de Estados Unidos, Brasil e do senhor Lamy¿, dizia, apontando os dedos aos ministros e a Lamy e os acusando de formarem uma ¿gangue¿.

Sob os berros de Mandelson, que se levantou, dava socos na mesa e alertava que retiraria suas propostas da mesa, Lamy optou por encerrar a reunião. Além da dificuldade dos temas comerciais e do nervosismo das delegações, outro fator que começava a predominar entre as delegações era o cansaço.