Título: Nacionalização beneficia indústrias
Autor: Pilar Magnavita
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/12/2005, Economia & Negócios, p. B1

O programa de nacionalização da indústria de petróleo, uma das metas do governo Lula, chegará em 2006, seu terceiro ano, com alguns resultados positivos. As cifras movimentadas até agora mostram que embora não tenha saído do papel o projeto de construção de grandes plataformas de petróleo ¿ obras orçadas, em média, em US$ 1 bilhão ¿, o varejo começou a sentir os resultados. Atualmente, 85% dos US$ 1,87 bilhão gastos anualmente com a compra de peças e equipamentos ficam no Brasil. Do total, cerca de US$ 1 bilhão é abocanhado por empresas inteiramente nacionais. O índice de nacionalização de peças e equipamentos utilizados pela indústria do petróleo foi de 67,19% em 2005, ante os 57,03% em 2003, segundo o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo. O porcentual superou a expectativa inicial (63%) e um dos setores com maior desenvolvimento foi o de exploração de petróleo, que tinha a previsão de atingir 57,03% e atingiu 60,89% em 2005. Para incentivar o desenvolvimento do mercado, a Petrobrás passou a atuar não apenas como contratante de serviços, mas como agente financiador e formador de capital de giro. ¿Neste tipo de licitação, os pagamentos podem ser realizados em até 70 vezes durante a produção. Os 30% restantes são pagos após a entrega do material¿, disse o gerente-executivo de Materiais da Petrobrás, Armando Cavanha. ¿Antes, nós fazíamos o pagamentos 30 dias após a entrega, mas nem todas as empresas nacionais tinham condições de fazer isso¿. Como exemplo, Cavanha citou a Bardella, com sede em São Paulo, que voltou a ser fornecedora da Petrobrás após mais de dez anos de afastamento. Segundo o gerente de Óleo e Gás da Bardella, Eduardo Fantin, o motivo de não participar das licitações nesse período foram as condições de contratação, que eram pouco atrativas.

¿Somente em 2002, com a exigência de conteúdo nacional, a Bardella foi convidada a retomar suas atividades neste setor. Hoje, cerca de 20% dos pedidos em aberto já são da área de petróleo e gás, em função das novas licitações e da venda indireta através de Epecistas (do inglês Engineering, Procurement and Construction), ou como dizemos, montadoras¿, disse Fantin.

Outra indústria que se beneficiou do programa de nacionalização é a Usaço, uma pequena empresa no Rio de Janeiro que recentemente alcançou estabilidade no setor de petróleo e gás após beirar a falência, há quatro anos. Na época, ela era fornecedora na área de energia. Com a crise do setor, que culminou com o racionamento, as encomendas caíram drasticamente. ¿A participação do segmento de energia na Usaço era de 70%. Por causa disso, nós quase quebramos. Hoje, temos uma demanda em torno de 10%¿, disse o diretor financeiro da empresa, Isaac Cohen.

Para se reestruturar, a Usaço voltou sua produção para o mercado ferroviário e, há dois anos, para o de óleo e gás. Hoje, o fornecimento da empresa para esta área corresponde a cerca de 45% das receitas. Esse porcentual contribuiu para tirar a empresa do vermelho. ¿Estamos otimistas porque acreditamos que, neste ano, chegaremos a uma receita de R$ 14 milhões¿, afirmou Cohen. É mais que o dobro do faturamento do ano passado, que foi de R$ 6 milhões.

Um dos contratos fechados no ano passado e que teve efeito positivo no balanço da Usaço foi o financiamento para novas tecnologias. De acordo com o supervisor de Qualidade, Marcos Batista, a empresa passou a fabricar cilindros de amostra de petróleo, material importado até então. ¿O que facilitou a produção do cilindro foi o financiamento de 20% da peça¿, disse. ¿Na época, a Petrobrás abriu a licitação para a construção da peça, nós apresentamos o protótipo e o projeto foi aprovado. Depois, apresentamos as notas fiscais do material que iríamos usar na fabricação e a Petrobrás financiou o produto. Hoje ele já faz parte da linha de produção da empresa¿.

NOVA POLÍTICA

Segundo o diretor financeiro, o que permitiu à Usaço participar das licitações da Petrobrás foi a nova política de contratações que a estatal adotou em 2002, com a criação do programa de nacionalização. Na época, as novas licitações passaram a oferecer pagamentos em eventos mensuráveis para financiar a produção, evitando que o fluxo de caixa dos fornecedores trabalhasse no negativo.

O gerente da Bardella lembra que as condições de pagamento oferecidas pela Petrobrás em anos anteriores obrigavam sua empresa a trabalhar com fluxo de caixa negativo durante a maior parte dos projetos. Isso exigia o comprometimento do capital próprio da empresa ou a busca de financiamento junto ao BNDES. A retomada deu certo. Só no ano passado, a receita bruta da empresa foi de R$ 300 milhões, com os novos contratos de fornecimento, avaliados em R$ 200 milhões, desde 2003. Isso possibilitou contratar funcionários para a área de metalurgia em suas fábricas de Guarulhos e Sorocaba.

Dentre os novos funcionários está a soldadora Cibele Angélica de Oliveira, de 18 anos, contratada em maio. Ela e mais 16 colegas de uma turma de 21 jovens foram contratados após o curso técnico fornecido pela própria Bardella, em parceria com a Fundação Iochpe e o Senai.

O projeto vai para o quarto ano e a expectativa do gerente industrial da fábrica de Sorocaba, onde Cibele trabalha, é de que mais jovens sejam contratados no que vem. Com a expansão do setor, surgiu a necessidade de treinamento. A empresa incluiu os jovens que moram em bairros perto da fábrica num projeto de inclusão social. A falta de mão-de-obra especializada é uma das maiores dificuldades para aumentar os índices de nacionalização, segundo o diretor adjunto do projeto, Oswaldo Pedrosa. Ele conta que uma das principais metas do projeto é a capacitação de profissionais e empresas. ¿Esperamos capacitar 70 mil profissionais até 2010. Esse é um projeto grande, que vai demandar cerca de R$ 220 milhões até lá¿.