Título: Política mais flexível
Autor: Márcio Holland
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/12/2005, Economia & Negócios, p. B1

Vamos partir do pressuposto de que a estratégia global de política monetária que o Banco Central vem implementando desde 1999 tenha sido bem-sucedida, especialmente porque coordena expectativas de mercado. Suponhamos também que, há seis anos sob um criterioso regime de metas de inflação, ficou provado que um país emergente pode promover um programa de inflação baixa e decrescente, mesmo sob condições nacionais e internacionais adversas. Contudo, neste artigo, esperamos demonstrar que a reação do Banco Central às pressões inflacionárias pode, agora, seguir a mesma intensidade aplicada anteriormente, mas em direção oposta. Pode, também, ser executada sob coordenação mais fina entre as políticas monetária e fiscal. Metas de inflação ¿ Para 2006, a meta central de 4,5% ao ano do IPCA é bastante realista e altamente factível, uma vez que o esforço de redução da taxa de inflação seria de apenas 1,1 ponto porcentual, dado que a inflação em 2005 deverá ficar acima da meta de 5,1% ao ano. Note-se que o esforço para a redução da taxa de inflação de 2004 para 2005 foi superior (de 7,35% para 5,6% ao ano, prevista para 2005). Portanto, não vejo por que alterar a meta de inflação para 2006. Há, ainda, ajudas vindas do baixo IGP-M e seus efeitos de repasse de preços nas correções de contratos de concessões públicas indexados ao IGP.

Função de reação ¿ Há diversos cálculos mostrando que a taxa real de juros no Brasil está bem acima da taxa real de equilíbrio, seja quando estimada a partir de modelos econômicos amplamente reconhecidos pela literatura econômica, seja quando comparadas com as taxas reais de juros em diversas economias emergentes e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês). Hoje, é facilmente provado que a taxa real de juros no Brasil poderia estar algo próximo a 4 pontos porcentuais abaixo dos níveis atuais. Neste caso, como o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu, na sua última reunião, a taxa Over-Selic meta em 0,5 ponto porcentual, para 18% ao ano, fecharemos o ano com uma absurda taxa real de juros de 12,5%, muito acima da média dos últimos anos. Neste caso, o Copom pode reduzir a taxa de juros nas próximas reuniões em 1 ponto porcentual sem nenhum comprometimento com a meta de inflação. Note-se ainda que, caso a meta de 2006 esteja sendo prospectivamente cumprida no primeiro trimestre, e caso o Copom reduza a taxa de juros em 0,75 ponto porcentual nas próximas reuniões, ainda assim teríamos uma taxa real de juros acima de 11,5% ao ano ao final do primeiro trimestre de 2006. Ou seja, mesmo com duas reduções nas taxas de juros de 0,75 ponto porcentual, teríamos uma taxa real de juros apenas 0,5 ponto porcentual menor que a atual! Afinal, a inflação projetada para 2006 é menor que a atual.

Somente reduções regulares na Over-Selic de 0,5 ponto porcentual nas oito reuniões do Copom previstas para 2006 levariam a uma taxa real de juros ao final de 2006 praticamente igual à média dos últimos anos! Mas quem acredita que o segundo semestre, carregado de discursos eleitorais, será fácil?

Superávit primário ¿ Para os primeiros três meses do ano, num momento de esperada redução das taxas reais e nominais de juros e, com isso, de um aquecimento de demanda agregada, não há por que não controlar um pouco mais os gastos de governo. Neste horizonte curto de tempo, o superávit primário poderia ser aumentado em algo como 1 ponto porcentual, ou seja, algo perto de 5,25% do produto interno bruto (PIB). Num processo de ajuste dinâmico e coordenado, ao longo do segundo e do terceiro trimestres, seriam reavaliadas as metas do superávit primário. Falamos aqui em coordenação entre a política monetária ¿ em esperado cenário de redução das taxas reais de juros ¿ e a política fiscal, que funcionaria como um contrapeso no sistema.

Falamos também em perseguir o superávit de 4,5% do PIB, mas com margens para aumentá-lo no primeiro semestre de 2006, conforme a dinâmica da demanda agregada e da própria dívida pública. Falamos, assim, em coordenação de políticas macro-econômicas.

Política cambial ¿ Neste cenário de redução mais acentuada da taxa real de juros, é de esperar que a taxa de câmbio comece uma trajetória ascendente rumo a valores entre R$ 2,60 e R$ 2,80 por dólar. Essas paridades devem ser estimuladas pelo Banco Central, mais do que a esperada paridade de R$ 2,50 por dólar. Neste caso, recupera-se o fôlego exportador, especialmente dos setores agropecuário e de automóveis.

Dívida pública ¿ A alta na taxa de câmbio pouco afetaria o tamanho da dívida pública, dado que menos de 3,5% dela está indexada ao câmbio; contudo, a redução mais forte da taxa de juros deverá implicar uma redução de mais de 1% na dívida pública em porcentual do PIB, que é 53% indexada à taxa de juros de curto prazo, o que, combinado com um maior crescimento do PIB para 2006, poderá ser motivo para festejarmos uma dívida pública em porcentual do PIB próxima de 50%.

Assim, uma das mais fortes amarras da política monetária poderá ser desfeita em pouco tempo, combinando metas de inflação alcançáveis com crescimento econômico mais vigoroso. Uma curva claramente descendente da taxa real de juros rumo à taxa real de equilíbrio de longo prazo é o que se espera para 2006.