Título: "Sem verba, não há inclusão digital"
Autor: Maurício Moraes e Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/12/2005, Link, p. L12

A vida do sociólogo e professor universitário Sérgio Amadeu cabe dentro de um notebook movido a software livre. Tanto que ele simplesmente dispensa outros aparelhos eletrônicos e concentra todas as suas tarefas no equipamento. Lê e-mails, acessa a internet, escreve textos, organiza compromissos, ouve MP3 e assiste a DVDs em aplicativos de código aberto - sem desembolsar um centavo com programas fabricados por multinacionais ou com pirataria. Quem acha o Linux complicado se surpreende com esse dia a dia. Não há nada que Amadeu não consiga fazer com o micro. Por essas e outras, ele não sente a menor saudade dos tempos em que usava o Windows e outros softwares da Microsoft. "O mundo da plataforma proprietária busca criar incompatibilidades para deixar o usuário aprisionado à sua solução, enquanto no do software livre procuram-se a comunicabilidade e a interoperabilidade."

Para o sociólogo, essa característica - aliada ao baixo custo e à grande estabilidade do sistema - faz do Linux uma alternativa que deve ser adotada em um ritmo cada vez maior por países como o Brasil. "Eu me bati muito por isso", diz Amadeu, que do início do governo Lula até o meio deste ano foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), entidade ligada ao governo federal que coordena o Comitê Técnico de Implementação do Software Livre.

De acordo com ele, hoje apenas a Alemanha tem tantos projetos em execução para a adoção de programas de código aberto como o País. Ainda assim, Amadeu sempre achou que o Brasil poderia avançar num ritmo muito mais rápido tanto nesse campo como no da inclusão digital. Como isso não ocorria, decidiu deixar o governo. "Para a coisa andar, precisava mostrar que existiam problemas", destaca. As dificuldades, segundo o sociólogo, tornaram-se maiores desde o início da crise política e uma série de iniciativas acabou paralisada.

Mas os entraves para ampliar a inclusão digital começaram antes disso. "Foram dois os problemas", diz. "A coordenação de projetos e a política de contenção de recursos para gerar superávit primário, que congelou o Fust (Fundo para Universalização dos Serviços de Telecomunicações). É muito grave."

O dinheiro, recolhido das operadoras de telefonia móvel e fixa desde 2001, já soma US$ 3,8 bilhões sem ter sido usado. "Acho que, no próximo governo, será inevitável. A sociedade vai exigir de qualquer candidato a presidente o compromisso de liberar o Fust para duas coisas: para as áreas mais carentes, colocando telecentros, e para a conexão de escolas."

Embora ainda existam percalços, Amadeu está otimista. "A inclusão digital entrou na lógica do gestor público, seja ele de que partido for. Isso é fundamental", acredita. Como exemplo, ele cita a existência de inúmeros projetos não apenas no Estado de São Paulo como em diferentes pontos do País. "O salto de qualidade vem nos próximos dois anos. A quantidade de iniciativas não é pequena. O que precisa é concentrar esforços e recursos."

Falta também acabar com uma doutrina presente dentro da administração pública. Segundo Amadeu, persiste a idéia de que quem tem de fazer a inclusão digital é o mercado. "Toda vez que se vai fazer um programa desse tipo vem um ministro e te pergunta: 'Como será a sustentabilidade?' Daí eu digo que é o Estado que vai sustentar e ele responde: 'Mas o Estado não tem dinheiro para isso.' Assim não vai ter inclusão digital. Mas isso está mudando."

De acordo com o sociólogo, as pessoas que vão ao bairro de Cidade Tiradentes, no extremo leste da capital paulista, sabem que lá não existe escola particular ou lan houses porque as pessoas não têm renda. Isso não quer dizer, no entanto, que esses moradores não precisem de ambas as coisas. "Se nós temos de inserir uma população carente que não tem acesso à comunicação mediada por computador, como vamos fazer? Cobrando?", questiona. "Se o problema tem gravidade social, requer política pública."