Título: O Brasil e a OCDE
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

O México, representado por Miguel Angel Gurría, ex- ministro do Exterior e ex-negociador da dívida externa de seu país, assumiu a direção da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), instituição que congrega todos os países desenvolvidos europeus, os EUA, o Japão e alguns outros países emergentes. O Brasil, na recém-concluída reunião da OMC em Hong Kong, liderou um conjunto de 120 países em desenvolvimento, membros de diferentes grupos (G-20, G-33, ex-colônias de África, Caribe e Pacífico, países de menor desenvolvimento relativo, Grupo Africano), reivindicando corretamente melhores condições de acesso e redução dos subsídios para os produtos agrícolas. O Brasil não pertence à OCDE, mas desde 1995 participa como membro pleno ou como observador dos Comitês do Aço, de Comércio, da Concorrência, da Agricultura, de Investimentos e Empresas Multinacionais e de Gestão Pública. E está em via de ingressar como observador no Comitê de Ciência e Tecnologia e, adicionalmente, poderá ser convidado a integrar, como membro pleno, alguns comitês de que tem participado como observador.

O Brasil entra 2006, assim, com participação num número importante de comitês, o suficiente para propiciar uma visão abrangente dos trabalhos da organização. A avaliação da participação do Brasil na OCDE feita pelos órgãos diretamente envolvidos tem sido muito positiva.

Hoje a OCDE discute uma reforma interna e a ampliação de seus membros. As decisões sobre essas questões deverão ser tomadas pelo Conselho Ministerial no primeiro semestre de 2006. Sabe-se que a OCDE teria interesse na participação dos "seis grandes": África do Sul, China, Índia, Indonésia, Rússia e Brasil. A eventual inclusão desses países permitiria a incorporação da visão diferenciada dos países em desenvolvimento, reduziria o eurocentrismo que caracteriza a organização e lhe daria maior representatividade.

O Brasil tem recebido indicações de que é um dos principais candidatos a entrar na OCDE em decorrência de seu desenvolvimento econômico, institucional e de políticas públicas, em linha com seus valores fundamentais, que são a economia de mercado, a democracia e os direitos humanos. Caso ocorra o convite para o País participar como membro pleno, o governo brasileiro estará confrontado com duas alternativas:

Manter a estratégia atual de aproximação seletiva, que poderá ser impulsionada de forma cada vez mais ampla e diversa em decorrência do crescente conhecimento mútuo e da identificação de interesses convergentes de cooperação;

optar pela adesão plena à OCDE, dentro das possibilidades a serem oferecidas no processo de ampliação e reforma da organização.

Vários países, como Argentina e Rússia, solicitaram - sem sucesso - o ingresso na OCDE. A iniciativa, porém, é sempre da organização, sendo muito lento o processo de adoção, em geral, nunca inferior a 15 meses.

As vantagens e os benefícios para o Brasil de se juntar aos países desenvolvidos parecem evidentes:

Participação em foro privilegiado de poder econômico e de reflexão para o exame de políticas públicas e de políticas econômicas;

fortalecimento da inserção do Brasil como ator global, afirmada na OCDE;

projeção da modernidade institucional, normativa e de políticas públicas do Brasil;

impacto favorável na percepção externa da estabilidade econômica do Brasil pela avaliação positiva de seu regime democrático, de sua maturidade institucional e de avanços de suas políticas públicas;

fator positivo na direção da categoria de investment grade;

estabelecimento de um contraponto internacional em matéria de avaliação externa da economia brasileira, hoje excessivamente pautada nas conclusões tiradas pelos meios financeiros públicos (FMI) e privados (bancos e agências de "rating").

No que se refere aos custos de uma eventual adesão, poderiam ser lembrados:

Ampliação dos recursos humanos e financeiros disponíveis, visto que a adesão do Brasil implicaria contribuições anuais da ordem de 1,5 milhão e compromissos de informação e participação de técnicos em grande escala;

subscrição dos cerca de 170 instrumentos jurídicos da OCDE, com suas naturais conseqüências em matéria de obrigações e direitos;

eventual perda de acesso preferencial a mercados pelas concessões do Sistema Geral de Preferências, como também a possibilidade de graduação do Brasil em comércio e ajuda financeira;

implicações político-diplomáticas em relação aos mecanismos de coordenação Sul-Sul, em particular o G-77 (a OCDE nada pediu ao México).

Nos anos 1960, discutia-se se o Brasil deveria ser o último dos primeiros, ou seja, crescer para se juntar aos países desenvolvidos, ou ser o primeiro dos países do Terceiro Mundo. As relações com o Sul, com os países em desenvolvimento, estão no topo das prioridades da política externa do governo Lula, relegando, de certa forma, a um segundo plano as relações com o mundo desenvolvido.

A adesão à OCDE - que deveria merecer a prioridade dispensada ao ingresso do Brasil como membro permanente no Conselho de Segurança da ONU - viria reparar essa percepção equivocada, que, na prática, finge ignorar os centros de poder nas decisões econômica globais e as realidades dos principais fluxos financeiros e comerciais do mundo.

O contraste com o México não poderia ser mais significativo. Enquanto os astecas assumem o comando do clube dos países ricos e desenvolvidos, o Brasil assume a coordenação dos países pobres e em desenvolvimento.

Interessante é ver que em todas essas tratativas a China, que se prepara para aderir à OCDE, praticamente desapareceu da linha de frente do G-20 ou do G-120.