Título: Usina parada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Mais um sinal da desorganização do governo brasileiro está na informação dada pelo presidente de Furnas, José Pedro Rodrigues, de que não há gás natural para a operação da usina termelétrica de Santa Cruz, no Estado do Rio, com capacidade de geração de 350 MW. Furnas - uma empresa estatal - pretende responsabilizar a Petrobrás - outra empresa estatal - pela não entrega do gás, mas, de fato, as duas companhias têm seu quinhão de culpa.

Furnas foi displicente ao não denunciar a tempo e hora o que já era bem conhecido dos especialistas do setor, ou seja, a insuficiência do abastecimento de gás e que muitas usinas já construídas ou em fase de construção não poderiam gerar energia. O objetivo da Petrobrás, por sua vez, é obter o total controle do mercado do gás, sem considerar que esta política cerceia o aumento da oferta e prejudica os consumidores. Tampouco o governo federal pode ser exonerado de responsabilidade, posto que não apoiou de forma inequívoca a implantação de um mercado de gás minimamente competitivo - o que só tenderá a ocorrer no final desta década - e não arbitrou a questão entre duas empresas das quais é o acionista controlador.

A termelétrica de Santa Cruz é um exemplo dos vícios do modelo estatal. Trata-se de uma velha usina, originalmente movida a óleo combustível, e convertida por Furnas para operar com gás natural sob o estímulo do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), lançado em 2001. A estatal desembolsou R$ 600 milhões pela conversão e R$ 16 milhões para a construção de um gasoduto para levar a matéria-prima da Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro (CEG) até a termelétrica de Santa Cruz. Mas esses recursos terão sido pura e simplesmente desperdiçados se a usina não receber os 2,4 milhões de m3/dia de que necessita para operar.

O presidente de Furnas disse que foi "uma pena" que a estatal não tenha vendido a energia de Santa Cruz no leilão de energia ocorrido há dias. A manifestação de Rodrigues é, no mínimo, surpreendente. Afinal, as usinas que aderissem ao PPT podiam comprar gás natural em condições especiais, mas para isso tinham de assinar um contrato de fornecimento de longo prazo com a Petrobrás. Se Furnas não assinou o contrato, provavelmente contou com a sobra de gás, no futuro, e com a possibilidade de adquiri-lo a preços menores.

A Petrobrás também se justifica. "Se eles tivessem assinado um contrato conosco poderíamos ter aumentado o diâmetro do gasoduto Campinas-Rio de 28 para 30 polegadas e reservado gás para Furnas", declarou o diretor de Gás e Energia da empresa, Ildo Sauer. "O gasoduto foi projetado para atender ao mercado contratado", acrescentou.

O grande problema é que a demanda de gás no País já supera a oferta e outras usinas, como Piratininga, que pertence ao governo paulista, à Petrobrás e ao fundo Petros, também têm o suprimento ameaçado. A oferta média de gás, excluída a produção para consumo próprio da Petrobrás, é da ordem de 50 milhões de m3/dia, com um déficit de 13,3 milhões de m3/dia. Para 2009, a oferta está projetada em 102,6 milhões de m3/dia - com o aumento da importação da Bolívia até o limite de 30 milhões de m3/dia, mais a produção do Espírito Santo, do Nordeste, das jazidas de Campos e Merluza e a entrada em operação dos campos da Bacia de Santos.

Mas o déficit de 2009 é projetado em 20,3 milhões de m3/dia, ou seja, só haverá equilíbrio entre oferta e procura quando Santos estiver operando a plena capacidade ou se se confirmar a descoberta de novos poços nas áreas prospectadas pela italiana Eni.

O livre acesso aos gasodutos da Petrobrás, como propõe o senador Rodolpho Tourinho no projeto da Lei do Gás, seria uma das formas de estimular investimentos de empresas privadas no setor da exploração e produção do gás natural. Projetos como esse poderão atrair investidores internacionais que têm grande experiência no mercado de gás.

A falta de gás que atinge o Nordeste está chegando ao Sudeste. E os efeitos do prejuízo que ela causa serão tanto maiores quanto mais se aproximarem os riscos de um colapso na oferta de eletricidade, previsto para o final da década.