Título: Escola integral para todos
Autor: Paulo Renato Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

Os apreciáveis avanços na evolução da distribuição de renda no nosso país nos últimos dez anos estão associados, em grande medida, ao progresso que conseguimos alcançar na escolarização de nossa população. Para que esse processo tenha continuidade é preciso, agora, voltar nossas atenções para a construção de um sistema de educação pública no nível básico que seja não apenas universal, mas tenha qualidade de Primeiro Mundo. Todas as avaliações internacionais sobre os níveis de competências e habilidades dos jovens mostram que a aprendizagem está associada a um conjunto de fatores, dentre os quais se destaca o tempo de permanência das crianças na escola. Obviamente, a ampliação da jornada não é o único fator a influenciar a qualidade de ensino. Nossas avaliações educacionais, criadas durante o período em que ocupei o Ministério da Educação, apontam outros fatores igualmente importantes que deverão acompanhar a implantação dessa reforma. Na minha visão, a escola deve focar todas as suas atenções na aprendizagem dos alunos, objetivo simples e mensurável. O sucesso escolar deve ser o objetivo central da gestão das escolas e essa preocupação deve ser trazida para o dia-a-dia do trabalho dos professores. É preciso avaliar mais os alunos e as escolas e usar os processos de avaliação como instrumentos do planejamento escolar. As escolas devem se organizar para que as crianças sejam atendidas de forma especial desde o primeiro momento em que apresentarem dificuldades. As avaliações destacam também a importância da leitura como instrumento de trabalho dos professores em sala de aula, do seu nível de formação, da participação dos pais na escola, assim como os benefícios do uso dos modernos recursos da tecnologia da informação para o desempenho dos alunos e do acesso a bibliotecas e materiais didáticos de qualidade. Não obstante, a construção de um sistema de educação pública de Primeiro Mundo em nosso país passa necessariamente pela ampliação da jornada das crianças na escola. Nos países desenvolvidos as crianças têm pelo menos seis horas de aula por dia; no Brasil a jornada normal é de quatro horas e em muitas escolas não supera três horas. Além de seu objetivo claramente pedagógico e educacional, essa é também uma demanda muito clara das famílias de nosso país. No passado ¿ remoto e recente ¿, muitos governantes sucumbiram à tentação de usar a escola de tempo integral como plataforma política de retorno imediato, criando redes paralelas ao sistema regular, constituídas por algumas escolas nas quais se proporcionava esse tipo de atenção às crianças. Foi assim com os Cieps no Rio de Janeiro nos anos 80, com os Caics no plano federal no governo Collor e, mais recentemente, com os CEUs no Município de São Paulo. Todas essas iniciativas renderam algum benefício político a seus promotores, mas tiveram efeito deletério sobre o conjunto das respectivas redes públicas de ensino, ao criar escolas de primeira e de segunda classe e relegar a maioria ao descaso. Em todos esses casos se passou ao largo do debate sobre a viabilidade da universalização do sistema integral dentro dos respectivos orçamentos públicos e não se planejou para isso. Como secretário da Educação de São Paulo no governo Franco Montoro, aprendi que é preciso sempre buscar soluções universais para o conjunto da rede pública, convicção que só foi reforçada em minha gestão no Ministério da Educação. Deve-se fazer o que puder ser feito para o conjunto da rede e jamais criar projetos especiais que diferenciem as escolas públicas. Muitas vezes, contudo, é necessário começar projetos inovadores com um determinado número de escolas, tendo sempre o universo dos alunos como meta realizável num horizonte de tempo definido, dentro dos recursos públicos que puderem ser mobilizados. De certa forma, o governador Geraldo Alckmin deu início a esse processo na rede pública estadual paulista, ao implantar a jornada integral em 140 escolas da rede pública já a partir do ano que vem. Da mesma forma, o prefeito José Serra criou um sistema de atenção integral às crianças da rede municipal que já atinge número apreciável de crianças, mobilizando um sem-número de instituições da comunidade para oferecer programas de complementação escolar. Ambas as iniciativas são interessantes, pois evitaram precisamente a criação de projetos especiais paralelos à rede regular. Além disso, apontam no sentido de se buscar a atenção em período integral para o conjunto da rede pública de ensino. Na esfera estadual, creio que é chegada a hora de promover a universalização da educação de tempo integral, mediante a ampliação da jornada escolar para um mínimo de seis horas de classe em todas as unidades de ensino. Contando o tempo das refeições e dos descansos, chegaremos à permanência dos alunos na escola de sete ou oito horas. Sem dúvida, colocado nessa perspectiva, esse projeto demandará recursos muito importantes, principalmente para o crescimento da rede física de escolas e de salas de aula e para o pagamento dos professores numa jornada ampliada de trabalho. A própria carreira do magistério precisará ser revista, pois ela está estruturada em torno das quatro horas diárias de trabalho em classe. Por esses motivos, a consecução plena desse objetivo é impossível de ser alcançada de forma imediata. Estou convicto, porém, de que São Paulo terá condições, a partir do próximo governo, de implantar sistema de tempo integral em todas as escolas estaduais, a ser concluído num horizonte definido de tempo. Esse, aliás, deveria ser um compromisso claro a ser cobrado pela sociedade paulista do governador que vier a ser eleito no próximo ano.