Título: O fim da greve das federais
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2005, Notas e Informações, p. A3

A mais longa greve já realizada pelos professores das universidades federais durou 112 dias, o equivalente à metade de um semestre letivo, e terminou de modo melancólico. Nem os grevistas obtiveram o reajuste reivindicado nem o Ministério da Educação conseguiu ver obedecida a ordem que deu aos reitores para cortarem o ponto dos faltosos. Na realidade, a greve acabou pelo cansaço das partes e por um motivo mais prosaico ¿ a chegada das festas de fim de ano, período em que as atividades acadêmicas são suspensas. Deflagrado em agosto, pela Universidade Federal do Acre, o movimento se alastrou para 38 das 55 instituições mantidas pela União. Além de exigir a reposição das aulas em janeiro e fevereiro, prejudicando 200 mil alunos, a paralisia acarretou outros problemas. Estudantes aprovados no vestibular do começo de 2005 cursaram só um semestre letivo, no ano. E os que foram aprovados no vestibular de julho tiveram apenas duas semanas de aula. Inevitavelmente, a reposição das aulas será feita às pressas, sem preocupações com rigor pedagógico. Os grevistas reivindicam um reajuste linear de 18% no salário-base dos 75.239 professores ativos e inativos, além da incorporação aos vencimentos da G Gratificação de Estímulo à Docência e do retorno dos adicionais por tempo de serviço. Eles também pleitearam a entrada imediata em vigor da categoria de professor-associado, um novo grau na carreira acadêmica. Em sua contraproposta, o governo acatou esta última pretensão e ofereceu um reajuste médio de 9,45% no salário-base a partir de janeiro, mais um aumento na gratificação por titulação e a redução de 35% para 18% na diferença do valor da Gratificação de Estímulo à Docência, que é paga a ativos e aposentados. Embora os grevistas tenham recusado essa oferta, o governo decidiu mantê-la, prometendo enviar ao Congresso um projeto de lei em regime de urgência. A idéia é implementá-la o mais rapidamente possível, para tentar evitar nova greve em 2006, um ano eleitoral. Se o projeto for aprovado, a folha de pagamento das universidades federais aumentará em R$ 650 milhões. Dos R$ 12 bilhões recebidos por essas instituições em 2005, R$ 11 bilhões foram destinados a salários e aposentadorias. Em valores atualizados, os gastos com pessoal das federais, que eram de R$ 8,8 bilhões em 2001, aumentaram para R$ 9,6 bilhões, em 2003, e atingiram R$ 10,2 bilhões, no ano passado. Em termos comparativos, as 55 universidades federais devem gastar com folha de pagamento, em 2005, pouco menos que o dobro do que será liberado para o Bolsa-Família e demais programas de transferência de renda mantidos pela União. O peso das universidades federais nas contas públicas é um dos aspectos do problema. O outro é relativo ao controle da qualidade do ensino e da produtividade de seus docentes. Em nome da autonomia universitária, a maioria dessas instituições sempre relegou para segundo plano a profissionalização de sua gestão, a modernização de sua máquina administrativa e a avaliação de seu desempenho acadêmico pelos setores da administração pública responsáveis pelo Orçamento da União. Foi por isso que, recentemente, dois parlamentares, cuja atuação política se concentra no setor educacional, passaram a reivindicar uma ampla reforma da Universidade pública. Ex-reitor da Universidade de Brasília, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirma que as universidades federais não são mais necessárias da forma como estão estruturadas. Presidente da Comissão de Educação da Câmara, o deputado Paulo Delgado (PT-MG) diz que elas se converteram em ¿mosteiros medievais¿, voltadas para dentro de si mesmas e incapazes de olhar o mundo à sua volta. Essa é a lição que se deve extrair a partir do melancólico final da mais prolongada greve das universidades federais. O problema delas não é só de natureza salarial ou financeira mas, antes de mais nada, de concepção. É por isso que têm de ser repensadas, para se adaptar à realidade brasileira e cumprir sua missão de formadoras dos quadros técnicos, gerenciais e intelectuais de que o Brasil tanto necessita.