Título: O leilão de energia
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2005, Notas e Informações, p. A3

As empresas estatais foram as principais vencedoras do primeiro leilão de energia nova do governo Lula. Confirmou-se plenamente, portanto, o alerta dos investidores privados de que os preços máximos pelos quais teriam de vender a energia eram baixos o bastante para desinteressá-los do negócio, com o que se abriu o espaço para as companhias estatais aumentarem ainda mais sua participação, já predominante, na geração hidrelétrica. Como o governo vendeu 71% do total da energia que calculava negociar, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, considerou a operação um sucesso. ¿O resultado foi muito bom¿, disse ele. Não é bem assim. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o órgão regulador do setor, afirmou à Agência Estado que foi ¿uma frustração¿ o fato de apenas 7 novos projetos de hidrelétricas terem sido disputados no leilão, de um total de 17 que o governo pretendia licitar. Novos leilões, portanto, provavelmente terão de ser promovidos pelo governo em 2006 e, talvez, em 2007, para suprir toda a demanda de energia futura, como admitiram o ministro Silas Rondeau e o presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Foi semelhante a avaliação do setor privado. O presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica (Cbiee), Cláudio Sales, declarou-se ¿frustrado¿, explicando que o pequeno interesse dos particulares decorreu do preço máximo de R$ 116,00 para o MWh a ser vendido quando as usinas estiverem prontas. Os investidores privados preferiram as pequenas usinas, ou seja, assumiram riscos menores. A medida do êxito dos leilões elétricos não está nos números, mas na participação do setor privado. Esta teria de ser maciça, como costuma ocorrer em todos os países que abrem o setor de energia elétrica aos investimentos globais, como as multinacionais interessadas em diversificar sua atuação. Nenhuma multinacional manifestou vontade de ampliar suas operações no País, participando do leilão. Ao contrário, duas multinacionais ¿ a AES Tietê e a Duke Energy, com forte presença no País ¿ estão negociando com o governo paulista a interrupção do seu programa de expansão, segundo o jornal Valor. As duas empresas propuseram à Secretaria de Energia de São Paulo e à Aneel a revisão das cláusulas que as obrigam a aumentar em 15%, até 2008, a capacidade atual de geração de energia. Se o governo não concordar, as empresas poderão ser penalizadas até com o cancelamento das concessões. Houve poucos vencedores no leilão de energia nova: a Eletrobrás, por intermédio de Furnas e Eletrosul, além da Petrobrás e da Cemig. Uma empresa privada, a Alusa, ganhou duas concessões de hidrelétricas de pequeno porte ¿ a Foz do Rio Claro, em Goiás, e a São José, no Rio Grande do Sul. Decisões judiciais solicitadas pelos órgãos de proteção ambiental impediram que a maioria dos projetos de hidrelétricas fosse licitada. Este problema persistirá. Será ainda mais difícil o aproveitamento do complexo do Rio Madeira, que poderia agregar 7mil MW ao sistema interligado nacional. Para compensar, no futuro, a falta de energia hidrelétrica, que é mais barata, cresceu o interesse pelos projetos térmicos, por exemplo, da Petrobrás, que poderá vender a energia gerada pelas usinas que controla, no âmbito do Programa Prioritário de Termoeletricidade (PPT). Sem as hidrelétricas, os consumidores pagarão mais caro pela energia, ou seja, o governo não conseguirá a modicidade tarifária pretendida. Entre as hidrelétricas não licitadas estão Dardanelos e Mauá. ¿É como se os consumidores preenchessem agora dois cheques, de R$ 82 milhões pela ausência da Dardanelos e outro de R$ 108 milhões pela ausência da Mauá¿, comparou o diretor-geral da Aneel. Ao contrário do que fariam as empresas multinacionais, que aportariam capital próprio na geração elétrica ¿ se tivessem participado do leilão ¿ , a maior vencedora do leilão, Furnas, pretende financiar a totalidade dos investimentos nas usinas de Simplício, Paulistas e Baguari (da qual participa com a Cemig e a Neoenergia) com recursos do BNDES. Sem dispor de capital, o Estado quer voltar a predominar no setor de energia.