Título: Orçamento e chantagem
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2005, Notas e Informações, p. A3

O discurso com que alguns deputados, em particular os do PT, tentam justificar os obstáculos que vêm criando para a votação e a aprovação do Orçamento do Estado de São Paulo para 2006 é cheio de expressões tão grandiloqüentes quanto vazias. Eles falam em participação da sociedade e em democratização do processo orçamentário. No entanto, o que sua ação na Assembléia Legislativa demonstra é coisa bem diferente de exercício de democracia e muito mais próxima de esperteza e do oportunismo político.

Mas é sobretudo de irresponsabilidade que se trata. Deixar de votar a tempo o orçamento - principal peça administrativa de um governo, não importa sua origem partidária - por motivos eleitorais e nele inserir despesas sem a garantia de receitas para cobri-las não é outra coisa senão falta de responsabilidade política.

O relatório do deputado Edmir Chedid (PFL) ao projeto do governador Geraldo Alckmin, que passou pela Comissão de Finanças e Orçamento, resume as práticas de alguns parlamentares. O relator acolheu mais de 2.500 emendas,queaumentamemR$1 bilhão as despesas, que na proposta original alcançavam R$ 80,7 bilhões.

Se acompanhado da correspondente previsão de receita, esse aumento não deveria causar grandes problemas, pois representa uma fatia muito pequena, de menos de 1,25%, do orçamento. Não se trata, também, de questionar o direito dos parlamentares de emendar propostas do Executivo. O que espanta nesses gastos não é sua dimensão, mas sua natureza.

Dos gastos adicionais, R$ 392 milhões, ou quase 40%, referem-se a sugestões apresentadas nas audiências públicas realizadas pela Comissão de Orçamento em 49 municípios. A justificativa para essas audiências parece convincente. Os encontros, diz umtexto da Assembléia Legislativa, "proporcionam ao cidadão, aos representantes de organizações sociais e às autoridades locais ferramentas para que encaminhem aos parlamentares suas propostas a respeito de gastos e investimentos do governo do Estado". Mas, se isso é verdade, por que não foram realizados encontros semelhantes nos demais municípios (são, no total, 645 no Estado de São Paulo)?

Tenham sido ou não representativas essas audiências, o que das emendaspor elas sugeridas resulta, concretamente, é a pulverização de recursos, o que reduz a eficiência dos gastos públicos. Gasta-se mais sem que se obtenhaa contrapartida de maisoumelhores serviços na mesma proporção em que crescem as despesas. Só têm a ganhar os parlamentares que patrocinam esse tipo de discussão do orçamento.

Outras emendas incorporadas pelo relator também merecem reparos. Emmédia, cadaumdos94 deputados terá direito a propor emendas de até R$ 4 milhões (sendo R$ 2 milhões de emenda individual e R$ 2 milhões de emenda da bancada).Édinheiro de que os parlamentares poderão dispor para agradar a seu eleitorado. AAssembléia Legislativa, que pela proposta original do Executivo já disporia de R$ 387,2 milhões, terá mais R$ 75,3milhões, um aumento de difícil justificativa e que chega a quase 20%. Igualmente questionáveis são os recursos extras aprovados pela Comissão de Finanças de R$ 50,6 milhões para o Tribunal de Justiça (cujo orçamento é de praticamente R$ 4 bilhões), de R$ 25 milhões para oMinistério Público (que já disporá de R$ 947,1 milhões) e R$ 7 milhões para o Tribunal de Justiça Militar (cujo orçamento original é deR$ 26,6 milhões).

A oposição em São Paulo aproveita a tramitação do orçamento para fazer uma espécie de chantagem política, retardando a votação da proposta orçamentáriacomoformade pressionar o governador Geraldo Alckmin a forçar seu partido a votar, no Congresso Nacional, o Orçamento da União. A transformação de um tema tão importante como a votação do orçamento em instrumento de chantagem ou barganha não é do interesse da sociedade nem, muito menos, do contribuinte.

Quando concordar em votar a proposta em plenário, a oposição tudo fará para aprovar o texto do relator. O restabelecimento da racionalidade da peça orçamentária exigirá, então, o veto de parte das emendas. O ônus político do veto ficarácomo governador Geraldo Alckmin.

Talvez seja exatamente isso que, por esperteza eleitoral, a oposição queira.