Título: Aquecimento é problema só para homens e ursos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2005, Vida&, p. A12

NOVA YORK - Os cientistas que estudam a Terra e têm as mais longas margens de referência, particularmente aqueles cujas especialidades começam por ¿paleo¿, às vezes parecem pouco preocupados com o aquecimento global provocado pelo homem. Isso foi verdade até mesmo em 2005, ano que assistiu ao maior recuo de gelo no verão já registrado no Oceano Ártico, um novo sinal de que os mares em aquecimento avançam em ritmo acelerado e as temperaturas globais continuam numa escalada abrupta que parece não ter paralelo em 2 mil anos. Mas esses especialistas voltados para o passado já viram tudo isso antes.

Estudos recentes concluíram que, há 49 milhões de anos, o Oceano Ártico estava coberto não de gelo, mas de uma prima dos aguapés que recobrem hoje as lagoas urbanas. As florestas da Antártida e na orla do Ártico já foram densas e viçosas.

E, por centenas de milhões de anos, as concentrações de dióxido de carbono e de outros gases que retêm a energia solar, impedindo que o planeta vire uma bola de gelo, foram muito mais altas que as concentrações da curta história da humanidade. Por esse padrão, o rápido acúmulo de dióxido de carbono resultante da atual queima desenfreada de florestas, carvão e petróleo, iniciada há séculos, não passa de um soluço.

Na verdade, o planeta não tem nada a temer com o aquecimento global. Uma Terra quente e vaporosa seria adequada para a maioria das formas de vida. A Terra e sua superfície biológica são muito mais resistentes do que as sociedades humanas, especialmente aquelas mergulhadas na pobreza ou nos limites do suportável.

Só nós, os humanos, precisamos nos preocupar, além de espécies como o urso-polar, que, como os povos mais pobres, vivem no limite ¿ no caso do urso, o rarefeito ecossistema em torno do gelo marítimo costeiro.

Henk Brinkhuis, paleoecologista e botânico da Universidade de Utrecht, na Holanda, afirmou que, embora possa ser difícil acostumar-se à idéia, o Ártico, como o conhecemos há séculos, ¿é história¿.

Segundo ele, isto pode significar a ruína do urso-polar, uma espécie que se originou do urso-pardo há apenas 250 mil anos ¿ um piscar de olhos em termos de evolução. Ainda assim, isto é um caso especial, e não necessariamente um desastre para as perspectivas dos mamíferos em geral.

O último aquecimento de grandes proporções, há cerca de 55 milhões de anos, precedeu ¿a maior diversificação de mamíferos de todos os tempos¿, disse Brinkhuis. ¿Os primeiros cavalos, vacas, primatas se originaram naquela época¿, afirmou ele. ¿A extinção do urso-polar poderia ser seguida por novas espécies em troca.¿ Nada disso significa que os humanos devam abraçar sua potência movida a combustíveis fósseis sem ligar para os efeitos. Se damos valor ao mundo como ele é, há motivos fortes, e puramente egoístas, para começar a restringir as emissões de gases do efeito estufa.

A longa história da Terra traz evidências que apóiam essa idéia. Ela é cheia de limiares, pontos em que um pequeno aquecimento torna-se grande de repente. Evitar esses limiares impediria a rápida elevação do nível dos mares ou o adeus a queridos símbolos do Ártico.

O Ártico, particularmente, é cheio interruptores climáticos que podem ser acionados, incluindo depósitos naturais de carbono, como a tundra pantanosa, capazes de emitir quantidades enormes de gases do efeito estufa se a atual tendência de aquecimento ultrapassar certos limites, explicou Jonathan T. Overpeck, da Universidade do Arizona.

Isto poderia amplificar o aquecimento e levar o clima a um reino além de qualquer outra coisa experimentada ao longo da evolução humana. Outra lição da história planetária, disse Overpeck, é que, assim que começam, esses aquecimentos podem acontecer rápido e então durar um tempo muitíssimo longo. ¿Esta é uma condição da qual seria realmente difícil sair por dezenas de milhares de anos¿, afirmou ele.

Os estudos sobre o passado também mostram que o ritmo importa. O aumento da temperatura e dos gases do efeito estufa durante a grande onda de calor há 55 milhões de anos, embora instantâneo numa escala de tempo geológica, demorou milhares de anos. Mas o ritmo do aumento recente do dióxido de carbono é até 200 vezes mais rápido do que foi estimado em transições climáticas rápidas do passado.

Diminuir este ritmo ajudaria os empreendimentos humanos e também os ecossistemas, disse David G. Barber, da Universidade de Manitoba, no Canadá. Os que falam dos potenciais benefícios do aquecimento, observou Barber, esquecem que um Ártico em degelo e ganhando vegetação não se tornará repentinamente uma terra de cultivo. ¿Leva-se muito tempo para gerar solo. Haverá muita desordem no caminho¿, afirmou Barber.