Título: Argentina descarta livre comércio
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/12/2005, Economia & Negócios, p. B1

Brasil e Argentina acertaram ontem a prorrogação, por dois meses, do acordo automotivo que venceria no dia 31. O livre comércio entre os dois países, previsto para entrar em vigor em 2006 fica descartado. No período de transição, as partes vão negociar novo regime, provavelmente com regras mais favoráveis às exportações argentinas de carros e peças. Nos últimos três anos, a balança comercial entre os dois parceiros tem sido favorável ao Brasil. A primeira reunião para discutir o novo acordo ocorrerá no dia 9. A Argentina já havia declarado, há vários meses, que não aceitaria o livre comércio, previsto no acordo fechado em 2001. O Brasil concordou, mas queria estabelecer novo prazo, em princípio 2008, o que também foi recusado pelo governo de Néstor Kirchner. Outro ponto de discórdia é a regra chamada de trade flex: para cada US$ 1 importado em produtos automotivos da Argentina, o Brasil pode exportar US$ 2,6. A Argentina quer mudar essa proporção para ampliar sua cota de vendas aos brasileiros.

Diante do impasse, o Brasil propôs a prorrogação do acordo por seis meses para se chegar a um entendimento . Os argentinos preferiram prazo menor e estabeleceu-se a data de 1º de março. De qualquer forma, as negociações para o novo regime podem se estender até julho, quando deverá sair um acerto definitivo.

¿O importante é que a prorrogação foi aceita, pois seria desastroso iniciar o ano sem regras definidas¿, disse o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogelio Golfarb. Um dos riscos seria a cobrança de imposto na importação de veículos, hoje zerado.

A prorrogação por 60 dias foi acertada por telefone entre o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, e o secretário da Indústria do Ministério da Economia da Argentina, Miguel Peirano. O acerto deveria ter ocorrido quinta-feira, em reunião realizada no Rio de Janeiro. Para surpresa dos brasileiros, Peirano, na ocasião, voltou atrás e não aceitou a prorrogação.

O recuo deixou os negociadores brasileiros preocupados. A partir de então, as discussões ocorreram por telefone. O governo argentino chegou a agendar reunião para ontem, em Buenos Aires, mas cancelou. Até o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que está em férias, entrou em ação para contatar a ministra da Economia, Felisa Miceli.

BALANÇA

Este ano, o Brasil exportou, até outubro, cerca de US$ 2,8 bilhões em veículos e autopeças para a Argentina e importou US$ 1,3 bilhão. É o terceiro ano seguido de saldo comercial favorável aos brasileiros. Desde 1995, quando os dois países assinaram o primeiro acordo, válido até 1999, o lado argentino teve superávit em seis períodos (ver quadro). O segundo acordo entrou em vigor em 2001.

O setor automotivo é o único a manter um acordo bilateral no Mercosul. ¿Nosso desafio agora é criar uma política que atraia investimentos automotivos para o Mercosul¿, afirmou Golfarb, que está preocupado com o interesse dos investidores pela China e Leste Europeu.

Segundo Golfarb, na segunda semana de janeiro representantes do Brasil e a da Argentina devem reiniciar as discussões para o novo acordo. ¿A comunidade internacional está de olho no que vão decidir o Brasil e a Argentina, pilares do Mercosul¿, disse o presidente da Anfavea, ao recordar as negociações em andamento com a União Européia (UE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Nas discussões estarão a reivindicação dos argentinos de que o sistema trade flex seja aplicado por empresa e não por setor, como é hoje. O objetivo é obrigar montadoras que não têm produção na Argentina ou que produzem poucos modelos lá a investirem no país.

Atualmente, Volkswagen, Fiat e GM não importam carros prontos da Argentina, apenas autopeças. Entre os modelos fabricados no país vizinho e vendidos no Brasil estão o Toyota Hilux, Ford Focus e Ranger e Peugeot 307. Já as empresas brasileiras exportam unidades de quase todos os seus carros compactos ao mercado argentino. Nas negociações de janeiro, a Anfavea quer apoio dos argentinos para recuperar o redutor de 40% nas alíquotas de importação de autopeças que vigorou desde 2001, mas foi suspenso em outubro.