Título: 'Governo está protegendo pessoas', diz Serraglio
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/12/2005, Nacional, p. A6

O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), apresentou quinta-feira um relatório parcial em que aponta quatro caminhos do mensalão, o esquema de distribuição de dinheiro a políticos e partidos em troca de apoio ao governo. No dia seguinte, o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), disseram ter certeza de que o mensalão não existiu. A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) também criticou a CPI. O relator reage. Diz que o governo e Aldo não deveriam se manifestar com tanta convicção porque não conhecem os detalhes da investigação. ¿Estão protegendo pessoas¿, critica. E aponta o que considera uma confusão entre o caixa 2 e o pagamento a deputados da base aliada. ¿O caixa 2 é a entrada do dinheiro. Mensalão é a saída¿, explica o relator.

Serraglio diz que, ¿por incrível que pareça¿, é integrante do PMDB governista, ¿mas com o tempero necessário¿. E garante que no relatório final não vai deixar de fora o PSDB. Ele foi criticado por não ter citado, no relatório parcial, a campanha tucana pela reeleição do então governador de Minas, Eduardo Azeredo, em 1998. Na ocasião, o PSDB mineiro recebeu R$ 11,5 milhões de caixa 2 do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, o mesmo que montou o esquema de distribuição de recursos ao PT e aos partidos aliados, entre 2003 e 2005. ¿Tudo vai entrar, tudo do PSDB, do Azeredo, da Fundacentro¿, garante Serraglio, referindo-se também à fundação ligada ao Ministério do Trabalho investigada na CPI por contratos suspeitos com Valério, no governo passado.

O deputado pede ¿racionalidade¿ ao PT, critica o partido por não ¿separar o joio do trigo¿ e garante que o relatório conclusivo apontará fatos ¿e não criações¿. O ministro Jaques Wagner e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, duvidam do mensalão. O senhor sustenta o oposto. Como formou sua convicção?

É a convicção deles contra a convicção daqueles que leram e aplaudiram meu relatório. Eles dizem que houve caixa 2 para partido político. Mas o caixa 2 não exclui o mensalão. Existiram os dois. O caixa 2 foi a entrada do dinheiro. O mensalão foi a saída. O dinheiro ia para o mensalão e para campanhas, tinha dois destinos. Eles querem que a gente diga ¿fulano recebeu tanto, todo mês¿. Não é isso que está posto. O que está provado até agora?

O que mostramos foi que houve um padrão de conduta, com periodicidade. Pagamentos para partidos, como PL, PP, PTB. Ligamos isso a votações expressivas no Congresso, a filiações partidárias. Os dados foram cruzados com base nos sigilos quebrados e também no que o próprio Marcos Valério falou sobre os pagamentos. Reclamaram que eu não citei o PMDB, mas no caso do PMDB não houve um padrão de conduta.

Mas houve pagamento de mais de R$ 1 milhão ao então líder do PMDB, José Borba. Qual a diferença?

Não houve conduta repetida. Nunca neguei que o Borba tenha recebido, mas não houve periodicidade. Nunca omiti as pessoas que receberam, tanto que estavam todas no primeiro relatório parcial. Neste relatório, meu objetivo foi desmontar a versão de Valério de que o dinheiro veio de empréstimos e mostrar que havia pagamentos regulares.

O PSDB também ficou de fora, embora a campanha pela reeleição de Eduardo Azeredo, em Minas, tenha recebido R$ 11,5 milhões do caixa 2 de Marcos Valério, em 1998. Por quê?

Mostrei a conduta de Valério para os fatos mais recentes, não abordei 1998 neste momento. Mas não estou escondendo nada. Claro que o PSDB estará no relatório final e vou relacionar fato por fato. Vou contar tudo que tem do Azeredo, da Fundacentro (fundação ligada ao Ministério do Trabalho investigada por contratos suspeitos com agências de Valério no governo FHC).

O senhor tem criticado a conduta do PT e do governo diante da crise. O que está errado?

Acho que o PT protege pessoas. Também acho que o Aldo Rebelo, como presidente da Câmara, não deveria dizer que não teve mensalão. Minha afirmação foi aplaudida na apresentação do relatório. Ele não devia falar isso sobre uma afirmação aplaudida. Eles deviam mostrar mais claramente que querem a responsabilização dos culpados. Não é possível que eles achem que todo aquele pessoal do PT não tinha nada com aquilo.

O senhor diz que vai recomendar o indiciamento de mais de cem pessoas. Estarão na sua lista o ex-presidente do PT José Genoino e o deputado cassado José Dirceu?

Genoino, Dirceu, todo mundo. O PT não pode dizer que vai salvar fulano. Não é questão de salvar, é questão de respeito à opinião pública, aos fatos. O pecado do PT é não separar o joio do trigo. Ele pode se salvar, é um bom partido, mas tem que depurar. A própria Câmara, se não for mais rígida e não refletir, vai sofrer depuração muito grande, maior do que o normal.

A absolvição do deputado Romeu Queiroz, que recebeu dinheiro de Valério, abrirá precedente para salvar outros deputados no Conselho de Ética?

Não quero acreditar que tenha havido um ajuste para a absolvição. Só isso.

O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), disse que Lula, que também nega o mensalão, deveria ler o relatório. O senhor concorda?

Faço a mesma sugestão. Se o presidente da República disse que não houve mensalão, sugiro que ouça as pessoas da CPI, que estudam o assunto há 6 meses.

O senhor teme que o relatório final acirre o conflito entre governistas e oposicionistas na CPI? Brigas entre situação e oposição são normais. Não posso querer que a oposição ache normal tudo que aconteceu e também não espero que o PT aceite tudo que dizemos. Você não pode obrigar um réu a dizer a verdade, a se autoincriminar. Mas existem situações inquestionáveis, não se pode ultrapassar o limite da lógica.

Pode chegar ao ponto de o seu relatório não ser aprovado?

Não acredito. Ainda que o PT não queira votar o relatório final, quem tem que votar é a maioria do plenário. Claro que buscarei o entendimento. O que vou colocar no relatório final são fatos, não criações. Se estou vendo um carro na minha frente, não vou dizer que é um jumbo. Relatarei fatos. Não vou fazer classificações se são justos, injustos, bons ou ruins.

A CPI recebeu uma lista de pessoas contratadas pela Câmara nos últimos cinco anos. Por que essa lista é importante?

Para identificarmos mais pessoas que possam ter seguido este padrão de conduta de que falei, de saques freqüentes de dinheiro. Até agora, o PMDB não mostrou um padrão de conduta, pode ser que apareça.

O senhor é de qual PMDB? Por incrível que pareça, sou o PMDB governista, mas com os temperos necessários. Não sou opositor ao governo, sou de situação, mas sugiro coisas ao governo, como por exemplo evitar dizer que não houve mensalão.

Acha que Lula deve ser candidato à reeleição, vai apoiá-lo?

Não sei sobre a reeleição. Defendo candidatura própria do PMDB, de Roberto Requião.

Os fundos de pensão irrigaram o valerioduto? Tenho uma convicção pessoal, mas acho que ainda é preciso esperar as investigações.