Título: De carona, Câmara se dá presente
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2005, Metrópole, p. C3

Vereadores criam verba extra no orçamento e destinam parte dela para emendas que eles propuseram

A distribuição de recursos entre os órgãos da Prefeitura sempre causa um misto de felicidade e chiadeira. Cada secretário tenta puxar para si mais do cobertor da arrecadação municipal, e alguém sempre acaba com o pé descoberto e fadado ao frio da escassez de dinheiro. A pasta de Transportes não é a que menos verba tem, mas é a que mais perdeu com as alterações feitas pelos vereadores. O secretário Frederico Bussinger contará com 40% a menos de recursos do que o previsto originalmente pelo governo. Por sua vez, o colega de Habitação, Orlando de Almeida, ganhou mais de 63% do que a estimativa inicial. Mas ninguém precisa reclamar, ainda. Com os 15% de índice de remanejamento, estes sim intocáveis, José Serra tem margem suficiente para retomar os valores iniciais. I.P. Iuri Pitta Entre uma compra e outra de Natal, muitos não resistem e saem da loja com um presente para si mesmos. Por que os vereadores paulistanos fugiriam à regra? Os R$ 500 milhões a mais incluídos no orçamento para 2006, aprovado ontem na Câmara Municipal, não são um presente só para o prefeito José Serra (PSDB). Desse total, R$ 210 milhões contemplam investimentos que os próprios parlamentares sugeriram, em mais de 200 emendas acrescentadas à versão final do texto.

Segundo a Comissão de Finanças e Orçamento, foram apresentadas nada menos do que 3.352 emendas. Todas devidamente analisadas e escolhidas a dedo pelos vereadores para entrarem na peça de 2006. "É uma prerrogativa do Legislativo modificar a lei orçamentária", argumentou o presidente da comissão, Paulo Frange (PTB). Era ele o responsável pela versão final da proposta e para quem o líder do governo, José Aníbal (PSDB), ligou várias vezes ontem perguntando pelo texto - que só chegou ao plenário após as 17 horas.

Faz parte do jogo. Logo ao vencer a eleição, Serra havia dito que não teria uma relação fisiológica com o Legislativo e buscaria apoio na base da negociação parlamentar. A principal ferramenta para isso é justamente abraçar reivindicações dos vereadores e incluí-las no orçamento. Se o prefeito fizer, por exemplo, a canalização de um córrego sugerida por um parlamentar, a população aplaude e o político também.

Faltava decidir como encontrar cobertor para tanto colchão, isto é, como cobrir com recursos os investimentos a mais que os vereadores propuseram. A resposta leva o nome técnico de receita vinculada. Significa que aquele gasto sugerido pela emenda parlamentar só será realizado se houver dinheiro para isso. Leia-se, se a Prefeitura conseguir obter a receita prevista no orçamento.

Esse mecanismo já constava da proposta original do orçamento, enviada em 30 de setembro. Serra havia condicionado o uso de R$ 336 milhões dos R$ 2 bilhões previstos para investimentos à votação pela Câmara de projetos destinados a aumentar a arrecadação. Com o Programa de Parcelamento Incentivado (PPI), por exemplo, aprovado na sexta-feira, o prefeito imagina engordar a receita em R$ 45 milhões.

AS CONTAS

O PPI incentiva contribuintes com tributos atrasados a acertar as contas com o Fisco. "Mas incluímos nessa lei praticamente tudo menos as multas de trânsito. Todos os projetos foram modificados pela Câmara", justificou Frange, antes de apresentar o "cálculo absolutamente simples" que fez o orçamento crescer em R$ 500 milhões. "Sabe-se que a Prefeitura tem uma dívida ativa de R$ 22 bilhões, segundo dados de 30 de outubro. A expectativa é que todos os projetos do governo aprovados com as alterações atinjam 2,5% disso, ou seja, R$ 500 milhões."

"Não há nenhum estudo de que isso vá realmente se confirmar e que os projetos aprovados terão esse efeito sobre a receita da Prefeitura", criticou o petista Francisco Chagas, integrante da Comissão de Finanças e Orçamento.