Título: O debate de política monetária no Brasil
Autor: Ilan Golfajan
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Quando pressionado por um repórter por suas eventuais mudanças de opiniões, o famoso economista britânico J.M. Keynes respondeu sem vacilar: "Quando os fatos mudam, eu mudo de idéia; e o senhor, faz o quê?" O Banco Central (BC) não mudou ainda de idéia, apesar do crescimento mais fraco da economia. Qual seria a razão para isso? Há os que acreditam que os juros são altos por um maquiavelismo orquestrado pelo BC para agradar a banqueiros e a outros rentistas. Outros acreditam que os juros são simplesmente o resultado de equívocos sucessivos que já duram mais de uma década e atravessam várias administrações do BC. Esse tipo de crítica parece propor como solução uma redução voluntarista dos juros, cujo resultado final seria a volta da inflação e o conseqüente aumento da pobreza. Seria um retrocesso significativo. Mas o debate de política monetária não se resume à crítica voluntarista. Mais recentemente tem-se argumentado que as condições da economia permitem uma redução um pouco mais acelerada da taxa de juros. A princípio, tudo indicaria que esse é o caso. Está ocorrendo uma desaceleração gradual da taxa de crescimento da economia num ambiente em que as perspectivas de inflação estão ancoradas na meta de inflação e a taxa de câmbio se aprecia consideravelmente, parcialmente como conseqüência dos juros no País. Nesse cenário, uma redução mais acelerada da taxa de juros poderia melhorar a trajetória futura do nível de atividade sem comprometer as conquistas obtidas no combate à inflação. Mas quais seriam as razões que justificam a manutenção da atual atitude da política monetária? A manutenção da atitude se justifica, pois não teria havido nenhuma informação nova e relevante que alterasse o diagnóstico. De fato, dados trimestrais do produto interno bruto (PIB), como a queda no terceiro trimestre deste ano, são notoriamente voláteis e não deveriam ser tomados necessariamente como indicadores do crescimento futuro. Sempre há a possibilidade de que haja uma reversão repentina e duradoura no ritmo de crescimento. Mas parece claro que o ritmo de crescimento da economia brasileira está numa trajetória de queda (a média móvel de quatro trimestres caiu para 0,8% anualizado). E essa trajetória não foi totalmente esperada pelo mercado e pelo BC que, no relatório de inflação de setembro, ainda projetava um crescimento de 3,4% para este ano. Há tanto ruído político que uma redução mais acelerada da taxa de juros poderia ser interpretada como uma capitulação às pressões políticas, levar à perda de credibilidade e ser contraproducente. De fato, esse argumento reforça a necessidade de um BC comprometido com a isenção política. Mas não justificaria um BC que vai além, alterando uma decisão técnica correta para mostrar que é autônomo. No médio prazo, não há nada mais crível que uma trajetória de decisões tomadas pelos critérios corretos, não sendo nem mais nem menos conservador que o necessário. Uma mudança no ritmo de queda dos juros já esperado pelos mercados poderia comprometer os ganhos obtidos no combate à inflação. O argumento é de que a inflação convergiu para as metas não só por causa das taxas de juros praticadas até agora, mas também pela expectativa de que os juros se mantivessem altos por mais algum tempo. Reduzir mais rapidamente a taxa de juros surpreenderia os mercados, derrubaria as taxas de juros de mais longo prazo e poderia abortar a queda da inflação. Não concordo. No regime de metas de inflação, dificilmente uma reavaliação da trajetória dos juros baseada em novas informações levaria a um repique da inflação e a uma perda de credibilidade. Em resumo, acredito que a aceleração do ritmo de queda da taxa de juros deixou de ser apenas um desejo da sociedade que vai além dos limites da responsabilidade. A combinação de uma inflação sob controle, um ritmo cadente do nível de atividade e uma pressão forte por uma valorização do câmbio justifica uma queda mais acentuada da taxa de juros (a não ser que haja um receio - que deve ser explicitado - de uma deterioração fiscal considerável). Uma decisão tecnicamente correta baseada no melhor uso de novas informações não ameaçaria a autonomia do BC nem comprometeria as conquistas obtidas no combate à inflação. Ao contrário, uma percepção diferente disso pode isolar o BC e, paradoxalmente, aumentar a probabilidade de um retrocesso futuro na luta pela estabilidade .