Título: Lula enfrenta nova greve de fome, agora na porta de casa
Autor: Vannildo Mendes, Rodrigo Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2005, Nacional, p. A10

Balanço de 2005 apresentado ontem por 45 entidades que integram o Fórum Nacional da Reforma Agrária revela que a violência no campo aumentou no governo Luiz Inácio Lula da Silva, com crescimento do número de mortos e agressões a trabalhadores rurais, a expulsão de índios de suas terras e o enfraquecimento da pequena produção. Em entrevista na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), as entidades divulgaram manifesto em que denunciam o aprofundamento da crise econômica, social e política do País e pedem a mudança de rumo do governo. O governo Lula, segundo os movimentos, adotou política econômica que prioriza o agronegócio e prejudica cada vez mais o pequeno agricultor. "Assistimos, estarrecidos, a um governo de esquerda, no qual depositamos nossas esperanças, adotar a lei do chicote contra a agricultura familiar", disse d. Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Ele ressalvou, todavia, que a crítica não é de adversário, mas de aliado que quer ver as coisas darem certo. "Cobramos, mas estamos dentro da mesma trincheira. Se fosse um governo de direita, nem sequer teríamos o direito de criticar."

Conforme tinha adiantado o Estado em sua edição de domingo, as entidades de defesa da reforma estão frustradas com os resultados da reforma agrária e preocupada com o aumento da violência. As mortes decorrentes de conflitos agrários já são maiores em três anos do governo Lula do que nos três últimos anos do mandato de Fernando Henrique Cardoso, segundo estudo da CPT. Só no período de janeiro a novembro deste ano teriam ocorrido 37 assassinatos - 2 a mais que os 35 registrados no mesmo período do ano passado. Entre as vítimas, está a missionária americana Dorothy Stang, morta a tiros por pistoleiros no Pará.

D. Tomás defendeu a mobilização dos oprimidos para mudar o quadro de violência e fazer a reforma agrária avançar, a exemplo do que ocorreu na Venezuela e ocorre atualmente na Bolívia. "As elites querem entregar o País ao império", denunciou.

METAS

As entidades observam ainda que o programa de reforma agrária ficou longe de atingir a meta de 115 mil assentamentos neste ano. Segundo o coordenador nacional da CPT, Izidoro Revers, o governo mente quando diz que assentou 108 mil famílias. Ele garante que metade das famílias dadas como assentadas continua acampada em barracos de lona. "Estão abandonadas à própria sorte, muitas delas sob ameaça de pistoleiros, a mando de grileiros que tentam expulsá-las."

O fórum condenou a ação do governo petista do Mato Grosso do Sul para desalojar 900 famílias de índios guarani-caiovás. Segundo relato de Egon Heck, dirigente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), eles estavam em uma reserva já demarcada, mas o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a ação movida por fazendeiros, considerou irregular a demarcação. "O despejo gerou um problema social grave."

A líder indígena Lea Aquino Pedro fez um relato emocionado da operação de despejo e culpou o governo Lula e o presidente do STF, Nelson Jobim, pela situação precária dos índios.

Sete integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) iniciaram ontem uma greve de fome na frente do edifício onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um apartamento, em São Bernardo do Campo. Pedem a desapropriação de área ocupada pelo MTST em setembro, em Taboão da Serra, e a construção de moradia para 800 famílias.

Essa é a segunda vez no ano que o governo enfrenta uma greve de fome - forma de protesto já adotada pelo próprio presidente. Em 1980, Lula fez greve de fome por quatro dias, enquanto esteve preso.

Entre setembro e outubro deste ano, o bispo de Barra (BA) Luiz Flávio Cappio, ficou 11 dias em jejum para que Lula desistisse da transposição do Rio São Francisco. Encerrou o protesto após a promessa de um encontro com Lula e da retomada das discussões sobre o projeto.

Com idades entre 19 e 40 anos, os grevistas do MTST estão dispostos a manter o protesto por longo período. "Eles agüentam 15 dias tranqüilamente. Daí vão começar a sentir muito cansaço e tontura. Depois de 30 dias fica mais complicado", relatou um voluntário, que acompanha o protesto.

O MTST afirma que a greve é apartidária e pede uma solução por qualquer esfera de governo. "É um ato extremo, mas não havia alternativa", disse Helena, uma das coordenadoras do movimento. "Se a situação quando Lula fez greve de fome era extrema, então a gente chega em algo parecido", continuou. "Que olhem por pessoas que há anos não têm onde morar."