Título: A corrida na 26ª hora
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2005, Nacional, p. A6

Ano eleitoral impõe restrições legais e limita ação do governante candidato Em 2003, o presidente Luiz Inácio da Silva justificou a paralisia dizendo que havia sido o "ano do aperto", tempo de se recuperar da "herança maldita"; em 2004 houve o anúncio do "espetáculo", não realizado, "do crescimento".

Para 2005 estava reservado um período - também não efetivado - de grandes realizações sob a gerência do então nomeado administrador-geral de projetos, José Dirceu. Agora, o governo promete um 2006 de investimentos e gastos fartos, o início de um ciclo novo de crescimento.

De concreto mesmo, porém, o que se tem à vista é um cenário menos grandioso, mais próximo (na melhor das hipóteses) do quadro traçado pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a respeito da ausência de sinalizações, projetos, objetivos e meios para atingi-los.

Nada indica que o governo conseguirá dar o pretendido "salto de qualidade" para levar o eleitorado a entregar de novo o País a Lula, ou pelo menos assegurar um fim de gestão razoável para conferir ao PT autoridade moral suficiente à aquisição de credenciais para o exercício da oposição a partir de 2007, caso venha mesmo a perder as eleições.

A dificuldade principal não reside, como parece pensar o presidente quando diz que não vai "deixar" as eleições prejudicarem a administração do País, nas disputas políticas, muito menos depende da manifestação de vontade presidencial.

A liberação de dinheiro não rende por si só dividendos políticos nem faz as realizações se materializarem de um dia para o outro. É preciso tempo para que investimentos se transformem em benefícios e atinjam a população de forma a que ela os relacione com a competência do governante e comece a entendê-lo como indispensável.

A falta de projetos, sinalizações e objetivos, conforme listou Furlan, será o grande obstáculo à concretização das promessas para 2006.

Além disso, não está nas mãos do presidente separar a administração do País das eleições. A lei e a realidade se sobrepõem aos desejos.

O ano que vem é pleno de restrições legais a gastos oficiais. Como o histórico dos três anos passados não favorece o governo, o eleitorado dificilmente se dará por satisfeito com cartas de intenções. Isso vale também para o discurso da oposição em 2006.

Talvez o presidente Lula tenha imaginado que poderia compensar a contenção de todo esse período passado com a fartura no último ano.

Talvez esteja subestimando as dificuldades de financiamento e organização (inclusive publicitária) de campanha, confiando na visibilidade natural do chefe da Nação e nos meios de sustentação financeira normais do Estado.

No primeiro caso, o do gasto de última hora, além do fator tempo jogar contra, há as restrições da lei, e haverá também a vigilância estreita do adversário. Com a possibilidade de vir a ocupar o governo, a oposição vai mobilizar sua tropa no Congresso para impedir a aprovação de medidas que venham a criar obrigações excessivas ao sucessor.

No segundo caso, cuja tradução vulgar seria a expectativa do uso da máquina administrativa em substituição - pelo menos em boa parte - ao financiamento via partido, as coisas tampouco serão de execução fácil.

Lula - ou qualquer outro candidato do campo oficial - terá nos calcanhares não só a oposição, mas a opinião pública e a Justiça Eleitoral. O menor deslize será punido, no mínimo com multa e, no máximo, com a cassação do registro da candidatura. De novo, isso vale também para os candidatos a governador de partidos de oposição.

Mas, evidentemente, todas as atenções estarão muito mais concentradas sobre a figura do presidente da República, que precisará saber muito bem onde termina o presidente e onde começa o candidato se não quiser passar a campanha inteira explicando cada ato, cada gesto, cada viagem, cada palavra, cada decisão.

Se para governantes de localidades distantes a possibilidade de concorrer à reeleição no cargo é uma vantagem, para aqueles estreitamente vigiados, presidentes e governadores de Estados importantes, essa condição é, antes, um tormento, e um motivo de suspeição permanente.