Título: Previsões de crescimento econômico em 2006
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

Nesta época surgem muitas previsões para o ano que chega. Na economia não é diferente e entre as de maior interesse estão as apresentadas pelo mercado financeiro e por autoridades econômicas. Ademais, há particular interesse pelas previsões da taxa de crescimento do produto interno bruto (PIB). Assim, recentemente o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, previu uma taxa de 5% em 2006, número também do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega. Do presidente Lula veio outra previsão, ainda que não quantificada: "Vamos ter um Brasil se desenvolvendo muito mais em 2006, com um crescimento mais vigoroso e mais sólido."

O mercado financeiro faz previsões semanais levantadas pelo Banco Central (BC) e divulgadas, entre outras formas, pelo Relatório de Mercado (RM). Este mostra, para o PIB e outros indicadores econômico-financeiros, a mediana das previsões de analistas das várias instituições cobertas pela pesquisa do BC. Para o PIB, o último RM prevê 2,5% para a taxa final de crescimento em 2005 e 3,5% em 2006.

Apesar de o presidente Lula não ser cauteloso no que fala, sua previsão é a que tem maior probabilidade de acertar. Ele simplesmente disse que a economia deve crescer "muito mais" em 2006, o que é bastante plausível, inclusive pela avaliação do RM. Em números, com um crescimento próximo de 2,5% em 2005 e de 3,5% em 2006, esta taxa seria cerca de 40% maior que aquela, o que seria aceitável como "muito mais".

Já a previsão da dupla Palocci-Mantega, de 5% de crescimento do PIB em 2006, supera em 100% o crescimento agora previsto para o ano que finda e equivale a dizer que a economia cresceria "muitíssimo mais" em 2006. Mesmo com a perspectiva de juros menores e de gastos públicos ampliados pelo ano eleitoral, fico mais com um intervalo em torno da previsão mais contida do RM, de 3,5%. Entre outras razões, o crescimento do PIB continuará travado por problemas crônicos, como a alta carga tributária, juros ainda muito elevados e baixa proporção de investimentos públicos relativamente à receita, tudo isso inibindo o investimento privado e o consumo por parte das famílias. Além disso, 2006, como ano eleitoral, também envolverá incertezas que adiarão investimentos e há ainda outras dificuldades no horizonte imediato, como as crises em segmentos do setor agrícola e o desestímulo cambial às exportações.

De qualquer forma, torço para que eu e o RM estejamos errados e que a previsão da referida dupla se confirme, desde que não seja um "vôo de galinha" impulsionado, por exemplo, por forte e irresponsável expansão de gastos públicos em 2006. Isso agravaria ainda mais a situação das contas públicas, já longe de saudável pela exagerada carga tributária e por gastos ruins em seus aspectos quantitativos e qualitativos.

Apesar de subscrever o que previu o RM para o PIB de 2006, fiz isso pelas razões apontadas, e não por acreditar que as previsões do mercado financeiro sejam confiáveis por si mesmas. Examinando quão precisas foram em 2005, percebem-se muitos erros, inclusive na taxa do PIB, estimada em 3,6% no início do ano. Entre outras imprecisões, o RM subestimou fortemente os resultados das contas externas (balança comercial e de transações correntes). Como conseqüência dessa e de outra subestimação, a da taxa básica de juros (prevista em 16% ao ano, mas que termina em 18%), errou-se também na taxa de câmbio, no início do ano prevista para chegar a R$ 2,95 por dólar ao seu final, estando hoje bem abaixo disso, cerca de R$ 2,30. Mesmo quando o RM acertou quase na mosca, como na inflação medida pelo IPCA, do IBGE, esse acerto foi também por acaso, pois seu maior erro relativo foi na inflação medida pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, para o qual se previu no início do ano uma inflação anual de 6,46%, mas que está alcançando apenas 1,18%, segundo o último relatório. Ora, houvesse o RM previsto isso no início do ano, não poderia tê-lo iniciado com a previsão que fez para o IPCA, pois este sofre na mesma direção, ainda que não na mesma magnitude, o efeito do que se passa no IGP-DI.

É fácil criticar previsões mostrando desacertos a posteriori, e não digo que faria melhor. O aspecto realmente criticável desses números é metodológico. Eles deveriam ser apresentados na forma de intervalos de previsão, e foi por isso que disse acima ficar com um intervalo em torno da previsão do RM para o crescimento do PIB em 2006, colocando-a, digamos, entre 3,2% e 3,8%, e não precisamente no valor de 3,5%.

São duas as razões. A primeira é que o comportamento de uma economia, em particular a brasileira, é extremamente complexo em suas causas e nas inter-relações delas. A análise econômica identifica e analisa as mais importantes, mas sempre há essas e outras que atuam de forma imponderável ou aleatória. Assim, é preciso que as previsões incorporem esse aspecto, na forma de um intervalo, como citado. A segunda razão é que a Estatística Matemática ensina que a probabilidade de acertar um número com todos os algarismos depois da vírgula é nula, pois estes algarismos são de quantidade infinita. Assim, só a previsão por intervalo tem efetivas chances de acertar e, assim, valor científico.

Portanto, Lula tem mais chances desse tipo porque trabalhou com um intervalo aberto ("vamos crescer muito mais"), ainda que de nenhuma utilidade para quem trabalha com números, como o pessoal do mercado financeiro. A dupla Palocci-Mantega errará porque se fixou num único número, também frágil pelas razões que o sustentam.

Quanto à última afirmação e à minha própria previsão, elas serão conferidas ao final de 2006. Sem ousar prever o interesse dos leitores pelo assunto, desejo-lhes toda a felicidade no ano que então terá passado.