Título: As exportações, a formiga e o elefante
Autor: Eduardo Oinegue
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/12/2005, Economia & Negócios, p. B4

Quando se analisa a economia de um país, é preciso ficar atento às dimensões numéricas envolvidas. Critica-se muito o fato de o Brasil ter perdido espaço no comércio mundial ao longo dos anos. "No pós-guerra, representávamos 2% do comércio mundial e agora só temos 1%", diz-se por aí. É um jeito de ver as coisas. Mas uma reflexão com base em números absolutos autoriza uma interpretação diferenciada. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), o conjunto das transações internacionais movimentou em 1948 cerca de US$ 120 bilhões, em valores atualizados. Ou seja, exatamente o total das exportações brasileiras em 2005 - sem contar, portanto, as importações. Até o final deste ano, teremos vendido o equivalente ao que todos os países do mundo exportavam e importavam naquele ano. Como o comércio global movimenta hoje US$ 18 trilhões por ano, deixamos de representar 2% de uma formiga para nos tornar 1% de um elefante. Não é tão mau, ainda mais ao se analisarem alguns lances históricos. Neste período em que o comércio mundial cresceu 150 vezes, o Brasil e os brasileiros foram vítimas de alguns dissabores: suicídio de Getúlio Vargas, renúncia de Jânio Quadros, regime militar, controle de remessa de divisas, política de substituição de importações, reserva de mercado de informática, hiperinflação, moratória da dívida externa e diversos planos econômicos. Sem falar na Constituição de 1988, que até agora emperra o progresso, sem falar na burocracia, na corrupção... Diante disso, chegar até aqui com 1% não é exatamente um fracasso. Programados para viver num casulo comercial, acabamos nos abrindo para o mundo. Nos últimos anos, atingimos marcas notáveis. Previam-se para 2004 exportações da ordem de US$ 80 bilhões. Ultrapassamos a casa de US$ 95 bilhões. Em 2005, após novo crescimento, chegamos a US$ 120 bilhões. Os saldos comerciais também sobem de forma consistente, ultrapassando a marca de US$ 40 bilhões em 2005.

Uma análise da pauta de exportações ilustra o progresso: vendemos veículos, grãos, aeronaves, produtos químicos, frutas, adubo, refrigeradores, vidro, produtos farmacêuticos, álcool, carne, plástico, telefonia, madeira, móveis, ferragens, chocolate. São mais de 7 mil diferentes itens comercializados. O número de empresas exportadoras é três vezes maior do que há 10 anos. Dos 50 grupos de produtos mais significativos da pauta brasileira, conseguimos ultrapassar a casa do bilhão de dólares exportados anualmente em 25 deles. Há 10 anos, o Brasil não possuía uma só fábrica de telefones celulares; hoje exporta US$ 1,5 bilhão na rubrica "telefonia". Neste mesmo período, a fábrica de aviões Embraer mais do que decuplicou suas exportações e hoje possui a quase metade do mercado mundial de jatos regionais. Há 10 anos, a indústria açucareira tinha uma participação pequena no comércio mundial. Atualmente, é líder no chamado mercado livre. Os empresários do ramo de papel e celulose investiram mais de US$ 10 bilhões na última década. Com isso, conseguiram fazer as exportações triplicarem.

Capacidade empreendedora e força de vontade não faltam. Mas precisamos aprender a lidar com as limitações. Exportar é tarefa para gigantes. Embora as pequenas empresas almejem vender seus produtos no exterior, as 250 maiores exportadoras brasileiras são responsáveis por quase 75% das vendas no exterior. Apenas 11 companhias - já foram duas em 1999 - exportam mais de US$ 1 bilhão por ano. Como as pequenas empresas exportam em média US$ 60 mil por ano, seria necessário juntar 16 mil delas para vender lá fora o mesmo que uma das 11 gigantes. As dez maiores exportadoras são responsáveis por um terço de todo o superávit comercial nas contas brasileiras.

No estágio em que está, o Brasil tem muito a fazer. A base da exportação nacional é formada por companhias com atuação no Brasil e que daqui remetem seus produtos ao exterior. Embora tenham presença na pauta de exportações, não atuam no exterior. Ainda são poucas as companhias nacionais que realmente se internacionalizaram, como a Weg, fabricante de motores, que tem unidades de produção em cinco países, ou a Vale do Rio Doce , que atua em nada mais nada menos do que quinze países, nos vários continentes. Em função dessa presença, não é vista mais como uma empresa localizada no Brasil. Com a internacionalização, a Vale atingiu o investment grade, e pode captar financiamentos a um custo mais baixo.

Ainda são poucas as empresas brasileiras com atuação em outros países. De acordo com um estudo da Unctad, órgão das Nações Unidas encarregado do comércio, as empresas brasileiras investiram US$ 9,5 bilhões no exterior em 2004. Com isso, o Brasil é apenas o 5º maior no ranking dos países em desenvolvimento que investem no exterior, atrás de México, Índia e Coréia. As empresas brasileiras começam a perceber que exportar é uma parte do jogo. Para ser multinacional, no entanto, é preciso disputar mercados, comprar fábricas. Foi o que fizeram a Gerdau, a Odebrecht, a Sadia, entre outras.

O momento é especialmente rico pelos números alcançados, mas deve-se prestar atenção ao que está acontecendo. O ex-ministro Mailson da Nóbrega gosta de comparar a economia de um país a um pomar. As frutas que colhemos hoje são resultado das mudas plantadas anos atrás. Temos o direito de colher, mas precisamos plantar. Do contrário, o pomar morre. A Coréia plantou em seu pomar a semente da educação. Na década de 60, o país tinha a mesma renda per capita do que o Brasil. Hoje, deixou-nos para trás, e se tornou dona de marcas globais como Samsung e LG. Foram 40 anos para chegar onde está.

O Brasil não investiu assim em educação, mas alguns setores econômicos fizeram algo parecido. Tome-se o caso da agroindústria. O processo de modernização agrícola nacional começou na década de 60 e ganhou vigor com a criação da Embrapa, na década de 70. Nos anos 90, os produtores aprenderam a plantar quase sem subsídios. O campo brasileiro é atualmente o mais capitalista do mundo.

Segundo a teoria do pomar, as empresas podem semear investindo no aumento de produtividade e melhorando a gestão. E o país como um todo precisa tomar suas providências. A principal delas é reforçar a educação.

É difícil para a maioria das pessoas aceitar a idéia de que os investimentos em educação guardam ligação direta com o equilíbrio das contas entre importações e exportações. Mas guardam. Países com um corpo técnico de qualidade, com profissionais de alto nível, mestres, doutores, docentes e pesquisadores têm mais chances de transformar descobertas científicas em produtos comercialmente valorizados. Se observarmos a lista de países exportadores e sacarmos de lá apenas o grupo dos que exportam produtos de maior valor agregado, descobriremos uma coincidência. Todos investiram pesado na formação de cientistas. Precisamos deixar de discutir o assunto com a leveza de uma formiga, dando a ele o peso de um elefante.