Título: O PIB? Qual PIB? E como se medirá?
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

Todo fim ou começo de ano, há uma década, o autor destas linhas tenta avaliar o acerto ou erro de previsões sobre o crescimento econômico do País ao longo dos 12 meses. Sempre com o mesmo resultado e as mesmas questões. As previsões chegam a variar (como no ano que se encerra) em até 3% do produto interno bruto (PIB) de R$ 1,5 trilhão, para mais ou para menos - o que significa uma variação de até R$ 45 bilhões. E isso leva a perguntar como se podem planejar com segurança políticas públicas e negócios privados com tal variabilidade. No início do segundo trimestre deste ano, os economistas consultados pelos jornais diziam que "a economia está perdendo fôlego" e por isso o crescimento não passaria de 3,2% ou 3,5%. A própria sondagem conjuntural da Fundação Getúlio Vargas dizia que "a indústria pôs o pé no freio" e por isso não deveria ser esperado crescimento do PIB além de 3%. A lei orçamentária federal para 2005 previa 4,35%, crescimento depois baixado para 4% e, em seguida, para 3,4%, como os ministros da Fazenda e do Planejamento admitiam em agosto.

Mas as contas nacionais apresentadas pelo IBGE no final de agosto avaliavam o crescimento do PIB no segundo semestre em 1,2% sobre o primeiro trimestre, o que sinalizaria uma taxa anualizada de 5,7%. Escaldado, o governo anunciava que reveria sua previsão para 4% - ainda bem abaixo dos países "emergentes", como Venezuela (11,1%), China (9,5%), Argentina (8%), Índia (7%) e Chile (6,5%), segundo a Unctad. Também o IBGE, cauteloso, revia sua projeção de 2,8% para 3,5% este ano e para 4% em 2006. Já o Fundo Monetário Internacional, no fim de setembro, reduzia sua previsão para o Brasil, de 3,7% para 3,3%, mas a Confederação Nacional da Indústria subia a sua, de 3,2% para 3,5%.

A grande mudança começou em outubro, quando uma queda de 2% na produção industrial em setembro levou o Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi) a baixar sua previsões para o conjunto da economia, de 4% para 2,5%. Teimoso, o presidente da República continuou a prognosticar crescimento de 4%. Até que no início de dezembro o IBGE anunciou redução de 1,2% no PIB do terceiro semestre em relação ao segundo, o que o levava a rever a previsão no ano para entre 2% e 3%. O Ipea colocava a sua "abaixo de 2,5%". Embora relutante, o governo federal baixava para 3%; o Banco Central, para 2,66%; e o Ipea, para 2,3%.

Num artigo de jornal, o presidente do Iedi, Josué Gomes da Silva, colocava mais areia no caminhão de dúvidas levantadas pela montanha-russa no processo de avaliação do crescimento econômico. Afinal, perguntava ele, por que as explicações todas para as oscilações nas previsões (crise política, taxas de investimento, taxa cambial, etc.) só não valiam para os mercados financeiros, teoricamente muito mais suscetíveis a crises políticas, mas que não foram afetados por nada durante o ano? Neste jornal (14/12), o consultor e economista Josef Barat punha mais lenha na fogueira. A seu ver, é preciso "dar um choque no pensamento econômico", hoje muito condicionado por "visões pasteurizadas dos economistas do mercado, que imaginam a economia como uma espécie de Disney World do mundo financeiro".

Ampliava-se uma discussão, até aqui quase que só restrita à mal chamada área ambientalista, que critica fortemente os critérios de cálculo do PIB e sua influência determinante na formulação de políticas nacionais. O PIB não leva em conta fatores fundamentais como o trabalho doméstico, já diziam alguns. Os serviços naturais não contabilizados podem valer até três vezes mais que o PIB calculado, mostrou um estudo de acadêmicos da Universidade de Stanford, na Califórnia, há uma década. Não há nada melhor para o crescimento do PIB que um terremoto, ironizava o falecido secretário nacional do Meio Ambiente, José Lutzenberger. Porque a reconstrução determinada pelo terremoto faz crescer o PIB, mas a destruição não é levada em conta. Como não são levados o estrago ambiental, os custos que gera na saúde, nas infra-estruturas, nas finanças públicas.

Há poucas semanas, quando o Banco Mundial (Bird) anunciou um novo método para dizer que país é rico ou pobre, levando em conta também os recursos naturais e o capital humano, a União Mundial para a Natureza exortou o presidente do banco a aplicar esses novos critérios em suas relações financeiras com os países. Na Convenção do Clima, em Montreal, o Bird lembrou que, dos US$ 38 trilhões do produto bruto mundial de hoje, 80% estão nos países industrializados e só 20% nos demais; mas para atingir as Metas do Milênio (redução da fome, da pobreza, das carências básicas) será preciso que esse produto bruto, até 2050, cresça 3,5% ao ano e chegue a US$ 140 trilhões, com 40% do total já nos países "em desenvolvimento".

É outra formulação problemática, que remete de novo ao pensamento do renomado biólogo Edward Wilson, considerado a maior autoridades em biodiversidade no mundo. Num texto já comentado neste espaço, Wilson adverte que, mantidos os atuais padrões de produção e consumo no mundo, não haverá recursos e serviços naturais para sustentar esse crescimento de 3,5% ao ano até 2050. Porque já estamos consumindo mais de 20% além da capacidade de reposição da biosfera terrestre e esse déficit cresce de ano para ano.

Vamos ter de inventar outros modos de viver (e de calcular crescimento), compatíveis com as possibilidades do planeta - porque, mesmo com as taxas de crescimento da população mundial em declínio, chegaremos a 2050 com pelo menos 8,5 bilhões de pessoas, segundo os demógrafos da ONU. Tarefa difícil, mas inescapável. A não ser que se pense possível um mundo em que só uma pequena minoria consuma.