Título: O telefone 'social'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2005, Notas e Informações, p. A3

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regulamentou, na semana passada, o Acesso Individual Classe Especial (Aice) - o telefone social -, apresentado como passo decisivo para a universalização da telefonia. Mas a nova modalidade, que até 30 de junho de 2006 será obrigatoriamente oferecida pelas companhias telefônicas em cidades com mais de 500 mil habitantes, descontentou tanto os consumidores como as concessionárias, tais as incertezas que suscita. A oferta do novo serviço foi uma resposta da Anatel às propostas do ministro das Comunicações, senador Hélio Costa, que quer a todo custo reduzir o custo das comunicações. No plano geral essa preocupação procede, pois não há dúvida de que o custo da telefonia é elevado em relação à renda média da população. O problema é encontrar uma fórmula adequada para desonerar os consumidores sem pôr em risco a prestação do serviço.

A primeira idéia de Costa foi eliminar a tarifa mensal de assinatura básica, uma das principais fontes de receita das concessionárias. A segunda foi a de criar um telefone social, ou seja, um plano pelo qual a população de baixíssima renda teria acesso ao sistema sem ter de pagar uma assinatura mínima da ordem de R$ 40,00 mensais.

O Aice tenta responder ao desafio, mas, ao que tudo indica, nasceu fadado a malograr. A Anatel definiu que o Aice será um serviço pré-pago, com a isenção de cobrança das ligações de até três segundos de telefones fixos para celulares. É um tempo por demais curto para qualquer comunicação - quando muito, suficiente para que uma das partes se identifique. Além disso, não haverá a franquia de pulsos, uma vez que a assinatura básica custará cerca de metade da cobrada dos telefones convencionais, e todas as chamadas no sistema Aice serão pagas. E o minuto custará cerca de R$ 0,20 a mais do que pagam os assinantes do serviço convencional.

O presidente em exercício da Anatel, Plínio Aguiar Junior, espera que o Aice permita incorporar aos serviços telefônicos 4,5 milhões de novos assinantes, que seriam atraídos pelo custo menor da assinatura. Mas, nos cálculos da própria Anatel, o custo das comunicações no Aice só será inferior ao das linhas convencionais para quem falar menos de 60 minutos por mês, ou o equivalente a apenas 2 minutos por dia. É evidente, portanto, que uma minoria de consumidores sairá beneficiada e "incluída" socialmente na telefonia, como quer o ministro.

As concessionárias, por sua vez, não vêem vantagens no novo sistema. O presidente da Telemar, Ronaldo Iabrudi, prevê que 2 milhões de assinantes migrarão dos planos atuais para o Aice, podendo causar redução de faturamento de R$ 3 bilhões para a empresa.

Oferecer o Aice foi uma das condições para as concessionárias renovarem com a Anatel, por mais 20 anos, os contratos de concessão em vigor. Ou seja, a adoção do sistema seria compulsória. Mas, ante as reações, o governo já admite enviar um projeto de lei ao Congresso, alterando a Lei Geral de Telecomunicações.

É provável que surjam novas críticas, pois os contratos convencionais da telefonia fixa também serão modificados. As tarifas serão reajustadas pelo Índice dos Serviços de Telecomunicações (IST) e não mais pelo IGP-DI - que será inferior a 2%, neste ano, o que beneficiaria os consumidores. A franquia dos telefones fixos passará dos 100 pulsos atuais para 200 minutos, o que imporá uma mudança de hábitos aos consumidores.

Não custa lembrar que empresas de telefonia já são líderes nas reclamações dos consumidores, tanto pela cobrança indevida de contas como pela baixa qualidade dos serviços prestados. Na tentativa de reduzir os problemas enfrentados pelos usuários, as companhias estarão obrigadas a detalhar e a enviar a fatura mensal aos assinantes com o detalhamento das ligações efetuadas, indicando, inclusive, o tempo despendido em cada chamada.

Um caminho seguro para reduzir o custo das comunicações seria diminuir a tributação que incide sobre a telefonia, uma das principais fontes de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A forte taxação é a prova de que as comunicações não são tratadas, no Brasil, como realmente são: um serviço essencial para a população.