Título: Escândalo que atingiu governo e PT é 'facada nas costas', diz Lula
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2005, Nacional, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu como "facada nas costas" o escândalo de corrupção no PT e no governo. Em entrevista gravada ontem no Palácio do Planalto ao programa Fantástico, da Rede Globo, Lula novamente evitou citar nome dos aliados "traidores" que promoveram o mensalão. "Não interessa se foi A, B ou C", afirmou, com certa irritação. "Todo o episódio foi como uma facada nas minhas costas." Desde que o escândalo foi divulgado, há seis meses, o governo nunca admitiu a existência do esquema de pagamentos a parlamentares em troca de favores. Mas ontem pela primeira vez Lula usou as mesmas palavras do principal algoz dos petistas e personagem que detonou a crise, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), cassado há um mês.

Em depoimento no dia 14 de junho no Conselho de Ética da Câmara, Jefferson relatou que ao contar a Lula sobre o mensalão "a reação do presidente foi a de uma facada nas costas". "As lágrimas (de Lula) desceram dos olhos, ele levantou, me deu um abraço, me mandou embora", disse o petebista. "E eu sei que de lá para cá (a fonte) secou porque os passarinhos estão todos de biquinho aberto."

Ao Fantástico, Lula evitou apontar o ex-ministro José Dirceu como a pessoa a quem acusou de traição em reunião ministerial na Granja do Torto, em agosto. "O José Dirceu, a CPI vai mostrar se errou", ponderou. O presidente acrescentou que é preciso esperar a conclusão da CPI dos Correios para levantar nomes de culpados.

O jornalista Pedro Bial, que fez a entrevista, questionou Lula sobre uma afirmação que fez no dia 7, de que levaria Dirceu para o palanque de campanha. "Eu não disse. Eu fui perguntado se o levaria para o palanque", respondeu o presidente. Na ocasião, numa entrevista para emissoras de rádio, porém, ele foi um pouco além de uma simples confirmação de uma pergunta. "Eu levaria Dirceu para o palanque, até porque não se provou nada contra ele", declarou para as rádios.

Ontem, o presidente voltou a criticar a imprensa. "As coisas boas realizadas pelo governo não aparecem. Eu não digo nem nos anos anteriores, digo só em 2005", afirmou, citando como exemplo o aumento na criação de empregos, a retomada do crescimento econômico e o fato de que 85% dos sindicatos e categorias de trabalhadores conseguiram acordos de reajuste salarial acima da inflação.

CAMINHÕES

As frases do presidente foram ouvidas num período de cinco minutos pelos setoristas dos jornais no Planalto, quando a equipe do Fantástico ainda entrevistava o presidente. Dois caminhões de transmissão da TV Globo estavam com as portas abertas do lado de fora do palácio. Assim que perceberam a presença dos repórteres, os produtores decidiram fechar as portas. "Acabou a festa", disse um técnico da Globo, fechando a porta de um dos caminhões.

Ao deixar o Planalto, Pedro Bial disse em entrevista que a Globo deve levar de 37 a 40 minutos da conversa com o presidente ao ar no domingo, em dois blocos. Bial avaliou que até a fisionomia de Lula estava diferente, numa comparação com a primeira vez que o entrevistou, no Palácio do Alvorada. "Mas ele estava muito afirmativo", disse. "Não pareceu desanimado."

Uma pessoa que acompanhou a entrevista a Pedro Bial relatou que Lula ainda defendeu as investigações sobre as denúncias de corrupção e se recusou a contar se lançará sua candidatura à reeleição. "Só estou preocupado em governar. Não é hora de decidir sobre isso", teria dito o presidente.