Título: Acerto de contas entre municípios e INSS pode virar bomba-relógio
Autor: Wilson Tosta
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2005, Nacional, p. A6

Um estudo do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) mostra que o reparcelamento - em até 20 anos - das dívidas dos municípios com a Previdência, possibilitado pela lei 11.196, de 25 de novembro de 2005, representa um custo financeiro de até 33% ao final de cada ano e, embora o cronograma sugerido ofereça boas condições em um período inicial, cria depois um estrangulamento financeiro insuportável. Isso porque o novo acordo propõe como base de cálculo a Taxa Selic (hoje, em 18% ao ano) mais 1% ao mês - o que significa, na prática, 33,07% de juros a cada 12 meses. Para se ter uma idéia, uma dívida fixa, rolada integralmente durante os 20 anos do acordo, estaria no final 5.300% maior. Assim, hipoteticamente - pois na prática as dívidas totais são amortizadas e a Taxa Selic pode cair no longo prazo - os atuais R$ 12 bilhões devidos por mais de 2 mil prefeituras ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) atingiriam R$ 588,2 bilhões.

Outra das condições é que os municípios teriam de pagar, no novo acordo, o mínimo de 1,5% de sua receita líquida real, sem teto. No caso de São Paulo, as novas regras, se aplicadas, fariam a capital passar dos atuais pagamentos mensais de R$ 1 milhão para R$ 16 milhões. Essa e outras condições estão levando muitas prefeituras a não se interessar pela rolagem.

"Quando chegarmos a 2021, teremos um abacaxi bem grande para descascar", diz o economista e geógrafo François Bremaeker, coordenador do estudo. A partir daquele ano, pelos termos da renegociação, acontecerá mais de 76% do pagamento. Em um único ano, 2025, será pago 24,15% do total.

"É a prática fiscal do 'me engana que eu gosto'", ironiza o economista e assessor do PSDB José Roberto Afonso, um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal. "Dá com uma mão a renegociação, mas tira com a outra, com a taxa de juros." Já o líder do Governo na Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), estranha as reclamações, já que o texto foi objeto de acordo com os prefeitos.

A rolagem da dívida por 20 anos foi uma exigência dos prefeitos, inserida na Medida Provisória 255, a MP do Bem. Com ela, o governo aceitou rolar as dívidas por 240 meses, mas inseriu condições hoje vistas como ruins. Além da que estabelece uma prestação mínima de 1,5% da receita líquida real, sem teto, há uma outra que obriga as prefeituras a confessarem os débitos até amanhã (prazo final para assinar o parcelamento). Isso as obrigaria a desistir de contestar os débitos na Justiça e as exporia à retenção de verbas do Fundo de Participação dos Municípios.

'MAMÃO COM AÇÚCAR'

"No primeiro momento, é um mamão com açúcar", diz Bremaeker - por isso muitos prefeitos cogitam assinar o acordo. "E alivia as prefeituras, possibilitando que consigam as Certidões Negativas de Débitos com a Previdência. Com isso, elas podem se candidatar a receber transferências federais." Ele adverte,em nota: "Enquanto em 2006 os Municípios deveriam comprometer, em média, 13,99% do seu orçamento com o pagamento das dívidas, das obrigações sociais e o pagamento de aposentadorias e pensões, em 2025 o comprometimento poderia alcançar 22,93%."

O acordo de rolagem prevê punições duras para inadimplentes. Se o município atrasar o pagamento de qualquer parcela, pode perder os recursos do Fundo de Participação. Se não houver pagamento por três meses seguidos ou seis alternados, o acordo é rescindido.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, lembra que esta é a terceira rolagem recente de dívidas dos municípios com o INSS. Na primeira, em 1997, o débito total era de R$ 3,8 bilhões. A segunda foi em 2001. Atualmente, o valor total já chega aos R$ 18 bilhões. Ele tem recebido consultas de municípios interessados na rolagem e os tem aconselhado a não a aceitá-la. "Vai ser um desastre", calcula. "Como terá confessado os débitos, vai ter município que nem vai receber FPM".

Para ele, a rolagem é animada por interesse político. "O ano que vem é eleitoral", afirma. "Tem muita emenda para liberar. Se o município estiver inadimplente, não pode receber o dinheiro da emenda. E o voto diminui." Isso explicaria o alívio inicial nos pagamentos: interessaria aos deputados, para melhorar seu desempenho eleitoral, a partir dos prefeitos que os apóiam.