Título: Brasil dá sinais de querer a Alca viva
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2005, Economia & Negócios, p. B7

Em um sinal de que o diálogo sobre a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não morreu, o Ministério das Relações Exteriores decidiu, no último dia 6, designar o novo co-presidente brasileiro nas negociações. Escolhido sem alarde, o embaixador José Eduardo Felício, subsecretário-geral de América do Sul do Itamaraty, enviou dias antes à co-presidente americana, a embaixadora Susan Schwab, vice-representante dos Estados Unidos para o Comércio (USTR), proposta para um encontro no início de 2006. Até ontem, nenhuma resposta havia chegado a Brasília.

A decisão do Itamaraty responde a uma situação que supera a reticência do governo brasileiro a essa negociação e até mesmo a declaração de morte à Alca feita pelo Mercosul e a Venezuela em Mar del Plata, no final de novembro, durante a 5ª Cúpula das Américas. Desde o início de 2003, Brasil e Estados Unidos co-presidem a Alca e, nessa condição, serão os responsáveis pelo êxito ou fracasso do processo - apesar de serem, igualmente, os dois parceiros que mais resistam à abertura recíproca de seus mercados de bens e de serviços.

Desde o início do segundo semestre, estava certa a substituição do então co-presidente brasileiro, o embaixador Adhemar Bahadian, designado para a representação do Brasil em Roma. Em sintonia com a resistência da cúpula do Itamaraty à idéia da Alca, Bahadian tornou-se célebre pela sua comparação desse processo a uma "odalisca de cabaré barato", no início de fevereiro de 2004. Quinze dias depois, na Câmara dos Deputados, declarou que a Alca lembrava a canção Cálice ("Pai, afasta de mim esse cálice..."), de Chico Buarque e Gilberto Gil.

Também era esperada a sucessão do embaixador Peter Allgeier, um dos mais experientes negociadores comerciais dos Estados Unidos, hoje o segundo da USTR. Ao longo de 2004, Bahadian e Algeier foram protagonistas de turbulentas discussões, que acabaram por travar completamente as negociações em meados daquele ano. A impossibilidade de uma relação respeitosa entre ambos precipitou as substituições.

As escolhas de Felício e Schwab indicam a disposição de ambos os governos de tirar as negociações da Alca do limbo e evitar que os ruídos entre os co-presidentes ponham o processo a perder.

Em boa medida, essa conjunção espelha o bom relacionamento cultivado pelo chefe do USTR, Rob Portman, e o chanceler Celso Amorim ao longo deste semestre, quando Estados Unidos e Brasil se aliaram para impedir o fracasso das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O desfecho da Rodada Doha, esperado para o final de 2006, terá impacto direto nas decisões a serem tomadas pelos dois países sobre a Alca.