Título: Hospitais públicos e qualidade
Autor: Luiz Roberto Barradas Barata
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

O Brasil tem sólida tradição no que se refere aos serviços de saúde administrados por entidades não-governamentais do terceiro setor. É o caso, por exemplo, das Santas Casas e dos hospitais beneficentes e universitários conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), que, administrados por entidades não-estatais, prestam inestimáveis serviços à população. Unidades como a Santa Casa de São Paulo, o Hospital Santa Marcelina, a Beneficência Portuguesa e o Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, são algumas dentre muitas boas referências do setor, pela expertise e qualidade no atendimento aos pacientes.

A Constituição Federal determina a participação preferencial dos hospitais filantrópicos como prestadores complementares ao SUS. Hoje, hospitais filantrópicos e públicos respondem por 82% das internações realizadas no Brasil.

O conceito de serviço público vem mudando gradativamente no País, especialmente na última década, com a introdução de bem-sucedidos sistemas de gestão com parceria da iniciativa privada. Converge-se, pouco a pouco, para a idéia de que aos governos cabe, sim, garantir tais serviços, mas não necessariamente gerenciá-los diretamente. Em outras palavras, o que é público não deve obrigatoriamente ser estatal.

Nesse sentido, uma das experiências mais bem-sucedidas da administração pública é o modelo paulista de Organizações Sociais de Saúde (OSSs), pelo qual o governo do Estado delega a uma entidade privada, sem fins lucrativos, o gerenciamento de hospitais públicos, garantindo, entretanto, recursos mensais para manutenção da unidade, além do devido controle da gestão dos gastos realizados e dos serviços prestados.

Hoje, 18 hospitais estaduais, 3 ambulatórios de especialidades e 1 centro de referência para idosos, todos ligados à Secretaria de Saúde, são gerenciados por Organizações Sociais, com contratos de gestão ou convênios similares. O sucesso é tanto que o modelo já foi "exportado" para Estados como Pará, Minas Gerais e Bahia. Na capital paulista, a Prefeitura aguarda a aprovação de lei que, à semelhança de leis aprovadas em Santo André e Ribeirão Preto, lhe permita implantar o sistema em seus hospitais.

Mas, antes de comentarmos sobre a eficiência das OSSs, cabe um parênteses para expor um argumento contra a principal crítica ao modelo, que para alguns seria uma forma de privatizar a saúde pública. Definitivamente, não é.

Em primeiro lugar, não é possível falar em privatização quando as organizações responsáveis pela administração desses hospitais são entidades de reconhecida expertise em gestão de saúde e tradição em filantropia no atendimento ao SUS e formação acadêmica em Medicina, como a Santa Casa de São Paulo, o Hospital Santa Catarina, a Universidade Federal de São Paulo e a Fundação Faculdade de Medicina da USP. Além disso, os hospitais, embora gerenciado por terceiros, continuam sendo patrimônio público, sob total responsabilidade do governo do Estado, atendendo integralmente e com eqüidade toda população que os procura.

Mensalmente, a secretaria recebe um relatório de cada unidade, especificando todos os gastos, além de indicadores de produção e satisfação da população com o atendimento. Depois, esse relatório é repassado trimestralmente ao Tribunal de Contas do Estado e ao Conselho de Acompanhamento dos Hospitais, composto por membros da sociedade civil, profissionais de renome e experiência no setor, representantes da Assembléia Legislativa e do Conselho Estadual de Saúde.

Sob o ponto de vista do atendimento ao cidadão, também não há um único indicador desfavorável às OSSs. Nunca é demais lembrar que o índice médio de aprovação desses hospitais entre os usuários é de 95%.

Além de atender bem, as OSSs estaduais atendem muito. Têm metas de quantidade e qualidade a cumprir. Estudo comparativo elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com técnicos do Banco Mundial, com amostragem de 13 hospitais gerenciados por OSSs e outros 13 da administração direta, comprova o sucesso do modelo. Para se ter uma idéia, o custo médio de cada internação nas OSSs em 2004 foi de R$ 2.589, 25,1% menor que os R$ 3.455 verificados nos hospitais administrados diretamente pelo Estado.

O levantamento ainda apontou que esses hospitais internaram 159 mil pacientes no ano passado, 43,2% mais do que as 111 mil internações nos hospitais de administração direta. Um detalhe: o orçamento para ambos foi praticamente igual, o que significa dizer que as OSSs atenderam mais com o mesmo dinheiro.

Era possível prever que os hospitais geridos por Organizações Sociais tivessem um desempenho melhor que os demais. Essas unidades, livres de alguns entraves burocráticos inerentes à administração estatal, possuem ferramentas ágeis para o gerenciamento do quadro de funcionários e aquisição de medicamentos e insumos hospitalares. Se não fossem mais eficientes, algo estaria muito errado.

A qualidade na gestão dos hospitais tem sido comprovada por prêmios. Seis dessas unidades são reconhecidas pelo Ministério da Saúde com o Certificado de Acreditação. Estudos do Banco Mundial apontam que "é vantajoso ampliar a alocação de recursos no modelo de OSSs caso se busque ampliar a eficiência e a qualidade do gasto público na prestação de serviços hospitalares".

Com base na experiência positiva das OSSs, a secretaria tem procurado estender esse conceito aos outros hospitais de administração direta, sem transferir sua gestão a terceiros, mas aplicando algumas regras do modelo, como o contrato de gestão e as metas de quantidade e qualidade.

Julgamos, portanto, salutar a intenção da Prefeitura de São Paulo de adotar o modelo de OSSs do governo do Estado nos hospitais municipais. Quem sairá ganhando serão, sem dúvida, os cidadãos paulistanos.