Título: Disciplina para as medidas provisórias
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, na terça-feira passada, Medida Provisória (MP) para liberar R$ 516,1 milhões, destinados a obras do Ministério dos Transportes e ao pagamento de benefícios previdenciários prestados por instituições financeiras e pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Foi a quadragésima Medida Provisória editada em 2005 e é um bom exemplo do que o presidente da República será proibido de fazer, no próximo ano, se for convertida em lei uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) recém-aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Essa proposta fixa um novo rito de tramitação para as MPs e pode restringir severamente o uso desse recurso de legislação e de governo.

Segundo a PEC, só terá força de lei a Medida Provisória admitida pela CCJ da Câmara ou do Senado ou pelo plenário de qualquer das casas. Os membros da Comissão terão cinco dias para decidir se a medida assinada pelo presidente da República preenche as condições - de relevância e urgência - para vigorar. Se não se manifestarem, caberá ao plenário, no prazo de mais cinco dias, decidir o assunto. Se não houver deliberação, a MP não será admitida. Poderá converter-se em projeto de lei.

Essa fase preliminar é a mudança mais importante embutida no projeto de emenda constitucional. No sistema atual, a MP tem força de lei pelo prazo de 60 dias a partir da publicação, prorrogável uma vez. Se a MP não for apreciada em 45 dias, depois de enviada ao Congresso, passará a tramitar em regime de urgência, trancando a pauta da Casa até sua votação.

As Medidas Provisórias nasceram com a Constituição de 1988 e seu uso deveria ser muito restrito. Todos os presidentes, no entanto, recorreram a essas medidas com freqüência muito maior que a desejável. Tentou-se várias vezes disciplinar a edição de MPs, até agora sem grande resultado.

Os presidentes passaram a usá-las como instrumento rotineiro de governo, alegando, muitas vezes com razão, que não poderiam depender de um sistema legislativo lento, ineficiente e com freqüência sujeito às oscilações dos interesses político-eleitorais imediatos.

A lentidão e a baixa produtividade do Congresso foram em geral as desculpas mais importantes para o uso excessivo das MPs. Durante muito tempo, as medidas iam simplesmente sendo renovadas, no final de cada prazo, como se a sua votação fosse um detalhe irrelevante. A reforma da moeda brasileira, a partir do Plano Real, em 1994, dependeu desse recurso. Alguns dos instrumentos mais importantes desse plano, um divisor na história do País, ficaram muito tempo sem ser votados.

Na prática, tanto os defensores quanto os críticos do uso amplo das MPs tinham parte da razão. O Executivo não podia governar sem esse recurso. Em contrapartida, parlamentares tinham motivos para protestar contra evidentes invasões de sua competência.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou 58 MPs no primeiro ano de governo, 73 no segundo e 40 no terceiro, até a última terça-feira.

Se for aprovada a PEC, o presidente da República ficará muito mais dependente do Legislativo. Haverá, provavelmente, um controle mais severo do critério de urgência e da matéria regulada pela MP. Além disso, "cada Medida Provisória", segundo o texto da PEC, "tratará de um único objeto e não conterá matéria estranha a esse objeto ou a ele não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão". Não será possível, em outras palavras, acrescentar apêndices ao tema ostensivo da MP e muito menos converter o texto numa árvore de Natal, como se tem feito ocasionalmente.

A oposição é o grupo mais interessado, neste momento, nesse novo esforço para disciplinar o uso das MPs. A aprovação da proposta pela CCJ do Senado resultou do empenho de oposicionistas. O assunto deverá ser submetido, ainda, ao plenário, e depois será enviado à Câmara.

Em princípio, essa maior disciplina será saudável para as instituições e, além disso, imporá ao governo um esforço adicional de planejamento e de articulação política.

Mas só haverá um efetivo benefício para o País se os congressistas assumirem plenamente a sua responsabilidade, avaliando com seriedade e rapidez cada MP enviada pelo Executivo. Dessa presteza dependerão, mais do que hoje, as condições de governabilidade.