Título: O funcionalismo dos municípios
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2006, Notas e Informações, p. A3

A pesquisa sobre a "Gestão Pública Municipal" relativa a 2004, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornece um amplo panorama dos serviços públicos prestados nos municípios e do aparelhamento institucional das cidades brasileiras. Faz falta ao estudo, no entanto, referências ao cumprimento, pelas cidades, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sabe-se, por outras fontes oficiais, que é bastante reduzido o número de municípios que ultrapassa os limites de gastos com pessoal determinados pela LRF. Mas também se sabe que os prefeitos dos municípios que se aproximam perigosamente desse limite usam o artifício de terceirizar serviços antes prestados por funcionários, aproveitando uma brecha da lei fiscal. Na atual edição da pesquisa, o IBGE computou, pela primeira vez, o pessoal terceirizado, mas não fez a necessária ligação entre essa forma de contratação e o limite da LRF.

De qualquer forma, a pesquisa mostra que a participação dos servidores estatutários - ou seja, aqueles que fazem parte do serviço público, admitidos por concurso - no total dos servidores da administração direta caiu de 66,1% em 2002 para 64,3% em 2004. Mas, apesar dessa queda relativa, o número total de servidores estatutários aumentou de 199 mil funcionários, no período - um acréscimo de 8%, ou de 11% se forem somados os terceirizados.

Como um número cada vez maior de cidades se enquadra nos limites de gastos com pessoal fixados pela LRF, o aumento líquido do número de funcionários indica que a receita dos municípios tem aumentado, a ponto de suportar o aumento dos quadros sem afetar a higidez fiscal. Um bom exemplo desse fenômeno pode ser encontrado no Estado de São Paulo. Segundo o balanço das contas dos municípios - exceto a capital - feito pelo Tribunal de Contas do Estado, também relativo a 2004, apenas 22 dos 644 municípios arrecadaram menos do que no ano anterior. O balanço de 2003 havia registrado 176 cidades com receita decrescente. E, em 2004, 146 prefeituras tiveram aumento de arrecadação superior a 20%, contra 39 cidades em 2003. Além disso, as despesas com pessoal estão deixando de ser uma preocupação fiscal para um número crescente de municípios paulistas. Em 2000, 60 prefeituras estavam acima do limite previsto pela lei. Em 2004, eram apenas 6.

O aumento do número dos funcionários municipais - em todo o País eles somam 4.521.579, segundo o censo do IBGE - é atribuído à ampliação dos serviços prestados pelas prefeituras, principalmente nas áreas de saúde e educação. A Constituição de 1988, de fato, descentralizou vários serviços que antes eram prestados pela União e pelos Estados. Passaram a ser responsabilidade municipal os serviços de transportes, educação pré-escolar, ensino fundamental, saúde, proteção do patrimônio histórico e controle do uso do solo. E com isso os municípios tiveram de se estruturar, criando órgãos e autarquias para operar esses serviços. Dos 5.560 municípios brasileiros, pelo menos 1.032 criaram novas estruturas para se desincumbir das funções recebidas após 1988. Houve, por exemplo, um aumento de 15% do número de funcionários que trabalham em órgãos ambientais. Em 2002, 68% dos municípios tinham secretarias de meio ambiente ou órgão para cuidar especificamente do assunto, proporção que subiu para 71% em 2004.

Mas as necessidades de pessoal efetivamente criadas pela Constituição de 1988 não justificam totalmente o aumento do número de funcionários municipais. Em muitas cidades, especialmente as mais pobres, a prefeitura é a principal empregadora de mão-de-obra. Na média nacional, existem 2,5 funcionários municipais para cada grupo de 100 habitantes. Nas cidades com população até 5 mil habitantes, a média chega a 5,2 funcionários. Além disso, as cidades com até 20 mil habitantes - ou 72% dos municípios brasileiros - dependem das transferências de recursos dos Estados e da União para pagar seus gastos. Têm reduzida capacidade de arrecadação própria, ou porque as economias locais não são dinâmicas, ou porque os impostos não são cobrados com o rigor determinado pela lei. Cerca de 1,4 mil desses municípios foram criados após 1988 para atender a projetos políticos mesquinhos. A maioria não tem condições autônomas de existência.