Título: Como a 'Science' publicou uma fraude?
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2006, Vida&, p. A9

Pesquisadores das áreas de biomedicina e bioética chegaram ao fim de 2005 em perplexidade pela falsificação das pesquisas com células-tronco do sul-coreano Hwang Woo-Suk. Confirmada a fraude, uma das grandes perguntas que precisa ser respondida é como uma mentira tão grande conseguiu ser publicada em uma das mais respeitadas revistas científicas do mundo, a Science. "A revista falhou, sem dúvida", disse ao Estado o presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e professor da Universidade de Brasília, Volnei Garrafa. "Ou o comitê editorial foi enganado ou se deixou ludibriar." A Science é publicada semanalmente pela Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e compete com a britânica Nature pelo status de principal periódico científico do mundo. Todos os estudos submetidos para publicação passam por um processo chamado peer review, ou revisão por pares, no qual são avaliados por cientistas independentes da pesquisa. O estudo de Hwang, no qual ele dizia ter produzido 11 linhagens de células-tronco embrionárias clonadas de pacientes, não foi exceção.

Por se tratar de uma pesquisa de grande impacto, entretanto, os resultados foram publicados originalmente online, em versão "express", em maio, três meses depois de o trabalho ter sido submetido e apenas uma semana depois de concluída a revisão. A versão final, em papel, só foi publicada em junho.

Na semana passada, após muitas denúncias, a Universidade Nacional de Seul descobriu que todos os dados do trabalho eram baseados em apenas duas linhagens de células-tronco, e não 11, e que essas duas não haviam sido produzidas por clonagem, mas por simples fertilização in vitro. Ou seja, a pesquisa foi completamente forjada.

Em entrevista coletiva no dia 22, o editor-chefe da Science, Donald Kennedy, defendeu o processo de revisão da revista. "É muito difícil para o processo de peer review detectar erros que não são evidentes ou interpretações de resultados intencionalmente errôneas", disse ele, quando a extensão da fraude ainda não era totalmente conhecida. "Não dá para pegar tudo."

"Os revisores examinam os dados supondo que a pesquisa foi realizada de maneira correta. Não se pode, a priori, desconfiar que algo tenha sido forjado", avaliou o geneticista e especialista em bioética Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

De maneira geral, pesquisadores ouvidos pelo Estado acreditam que o escândalo sul-coreano comprova a confiabilidade do processo científico, já que a fraude foi detectada. Se não pelo peer review, dizem, seria pela validação dos dados em outros laboratórios.