Título: STJ autoriza aborto em caso de malformação
Autor: Mariângela Gallucci e Silvana Guaiume
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2005, Vida&, p. A17

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Edson Vidigal, autorizou nesta semana em Brasília a interrupção de uma gravidez de feto com hidranencefalia, grave malformação cerebral. A mãe, Michelly Cristina de Freitas, de 23 anos, está na 26.ª semana de gestação. A autorização ocorre depois de duas derrotas da jovem: na Justiça de Campinas , onde ela mora, e no Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo a Procuradoria da Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, autora da ação, a manutenção da gravidez poria em risco a saúde da mãe. Seu advogado, Silvio Artur Dias da Silva, contou que fez o primeiro pedido quando o feto tinha 23 semanas e laudos médicos indicavam que ele não sobreviveria. A Justiça negou. A situação se alterou porque novo laudo, na quarta-feira, apontou o risco para a mãe.

A situação letal para o feto e os riscos para a mãe foram atestados em laudo da Coordenadoria de Medicina Fetal da Unicamp. "Não há na literatura médica relato de sobrevida neonatal (pós-parto) desses produtos gestacionais, exceto por horas ou excepcionalmente dias, pela ausência de integridade dos tecidos cerebrais", argumentou a Unicamp. "É a própria Constituição que assegura a todas as pessoas a incolumidade de seu estado físico", afirmou Vidigal no despacho. Ele citou três artigos que tratam do direito à saúde.

Assunto semelhante está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros terão de julgar no próximo ano uma ação que pede a liberação no País da interrupção de gestações de fetos com anencefalia, uma malformação na qual o feto não desenvolve o cérebro e não tem chance de sobrevivência. No caso da hidranencefalia, ocorre a ausência dos hemisférios cerebrais, a cabeça acumula líquido e fica maior do que o normal. Dependendo do caso, o feto não sobrevive. Em outros, ele pode viver, mas não tem um desenvolvimento normal.

Em 2004, o ministro do STF Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar autorizando os procedimentos. Mas o plenário do Supremo resolveu cassá-la sob o argumento de que o tema não poderia ser decidido em liminar. A liberação é apoiada por vários setores médicos e pelos movimentos feministas. Setores da Igreja fazem pressão contrária.

Michelly Cristina terá de passar por uma cirurgia para retirada do feto e deverá marcar a operação em breve, para não correr riscos maiores, segundo seu advogado. "A criança tem 28 semanas e o tamanho da cabeça é equivalente a uma de 38", disse. Mãe de duas meninas, há alguns anos ela engravidou de um menino, que não teve o pulmão formado, diagnóstico feito antes de a criança nascer. A jovem levou a gravidez até o fim e o bebê sobreviveu apenas 1h15.

Desta vez, a mãe descobriu o problema aos três meses de gravidez, logo depois de comemorar a notícia de que teria um menino. Ela contou ter sofrido um choque, mas só entrou na Justiça dois meses mais tarde, após passar por várias avaliações que confirmaram que a criança não terá chances de sobreviver.