Título: Tribunal conclui: massacre de curdos pelo regime de Saddam foi genocídio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/12/2005, Internacional, p. A10

Um tribunal holandês declarou ontem que a morte de milhares de curdos pelo regime do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein nos anos 80 foi um ato de genocídio. A declaração foi feita na conclusão do julgamento do holandês Frans van Anraat, condenado a 15 anos de prisão por ter vendido produtos químicos ao regime de Saddam. O tribunal considerou Van Anraat cúmplice de crimes de guerra, mas o inocentou das acusações de genocídio. Segundo a corte, Van Anraat, de 63 anos, vendeu os produtos mesmo sabendo que eles poderiam ser usados na fabricação do gás venenoso que Saddam usou tanto na guerra Irã-Iraque (1980-88) como também contra a população curda iraquiana - incluindo o ataque à cidade de Halabja, em 16 de março de 1988, quando 5 mil curdos foram mortos.

O tribunal, instalado em Haia, concluiu que a matança de curdos constituiu genocídio - algo que pode repercutir nos próximos julgamentos do ex-ditador em Bagdá - e assinalou que os produtos químicos fornecidos pelo réu foram essenciais para a fabricação das armas químicas utilizadas na ocasião. O tribunal, no entanto, considerou que Van Anraat não poderia ser responsabilizado pelo genocídio, já que suas vendas para o Iraque foram feitas antes que os assassinatos em massa começassem e não havia como provar que ele sabia exatamente para que os produtos seriam usados.

Segundo a Convenção de Genebra, de 1948, o genocídio é definido como "ato cometido com a intenção de destruir, inteiramente ou em parte, uma nação, uma etnia, uma raça ou um grupo religioso".

Dezenas de curdos compareceram ao tribunal para ouvir o veredicto. Alguns aplaudiram quando a sentença foi lida. Fora do edifício, mais de cem curdos cantaram, tocaram tambores e dançaram em comemoração. "Falei com minha família em Halabja e eles choraram de emoção", disse a sobrevivente Dana Habajal. "Estou tão contente. Nem sei o que dizer. Espero que Saddam receba o mesmo."

Os advogados de Van Anraat - que não estava presente à leitura do veredicto - apelarão da sentença, segundo a qual o comerciante holandês também terá de pagar 10 mil para 15 famílias de vítimas. Um dos advogados, Jan Pieter van Schaik, disse que o tribunal não provou que o material fornecido por Van Anraat foi aquele usado nos ataques com gás.

Numa entrevista em 2003, Van Anraat admitiu ter fornecido os produtos químicos, mas negou saber que eram destinados ao Iraque e poderiam ser usados na fabricação de gás venenoso. Este foi o primeiro julgamento por crimes de guerra contra curdos no Iraque.