Título: O velho problema da Febem
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Notas e Informações, p. A3

A imposição à Febem de oito medidas de caráter emergencial para a melhoria das condições de internação do Complexo Tatuapé, por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é mais uma conseqüência da longa sucessão de erros cometidos pelo governo estadual no setor. Entre as medidas, muitas das quais previstas pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estão a redução do número de internos, o fim dos maus-tratos, o impedimento de internações prolongadas, a garantia de atendimento médico e a separação dos jovens por faixa etária e pelo tipo dos delitos cometidos.

Essa foi a primeira vez que a Corte determinou a um governo a adoção de medidas emergenciais, por causa de denúncias de torturas. A decisão é uma resposta a uma petição que foi encaminhada em abril do ano passado pela Comissão Teotônio Vilela e pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (Cejil). A estratégia das duas entidades foi levar o caso da Febem a um organismo multilateral, com o objetivo de pressionar o governo paulista a rever sua política para a entidade.

Concebida por ocasião do lançamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ocorreu em Bogotá em 1948, e instalada três décadas depois em San José, capital da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é vinculada à OEA.

"A Corte tem um poder de coerção muito maior do que a Comissão Teotônio Vilela. Em último caso, pode causar constrangimento político ao país", afirma a diretora do Cejil, Beatriz Affonso. O governo estadual, diz ela, não deixará a situação chegar a esse ponto. Para evitar a condenação, a partir de agora o Estado de São Paulo será obrigado a enviar um relatório periódico sobre as providências que está adotando no âmbito da Febem. Antes de tomar uma decisão definitiva, a Corte encaminhará o documento às entidades denunciantes, para que contestem ou endossem as informações recebidas. Em função da gravidade das denúncias, a data de entrega do primeiro relatório foi marcada para janeiro do próximo ano. Preocupada com a repercussão do caso, que pode atrapalhar os projetos eleitorais do governador Geraldo Alckmin, a Secretaria da Justiça anunciou que já começou a prepará-lo.

Desde o início de sua gestão, em março de 2001, o governo Alckmin anda experimentando políticas para a Febem, sem êxito. Nos últimos quatro anos, a entidade já esteve subordinada à Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, à Secretaria da Segurança Pública, à Secretaria da Juventude, Esporte e Lazer, à Secretaria da Educação e à Secretaria da Justiça. Além disso, o governador perdeu tempo valioso testando diferentes dirigentes à frente da instituição. Até hoje, ele já nomeou seis presidentes e, em média, cada um deles passou menos de um ano no cargo.

Com essa dança de vinculações e de presidentes, cada reforma anunciada acabou mal realizada e malsucedida. Por isso, embora tenha investido muito na construção de novas unidades, o governo fracassou na definição de um novo modelo de atendimento a menores carentes e na seleção e treinamento adequado de recursos humanos para atuar com competência na ressocialização de adolescentes infratores. Como conseqüência dessa acumulação de problemas e tensões as rebeliões e fugas passaram a se suceder em progressão geométrica.

Além disso, temendo a explosão de motins, os prefeitos resistem à construção de novas unidades no interior. Essa é, aliás, uma das dificuldades que o governo está enfrentando para implementar as medidas exigidas pela Corte Interamericana de Justiça. Para resolver o problema da superlotação do Complexo Tatuapé, ele tem de expandir o número de unidades no interior capazes de abrigar jovens da própria região, pondo fim à prática de transferi-los para a capital. Mas as prefeituras se negam a ceder áreas para esse fim.

Esse o desafio que o governador Geraldo Alckmin terá de enfrentar para cumprir as determinações da Corte Interamericana de Justiça, e evitar o constrangimento de ser por ela condenado.