Título: Em queda livre
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Notas e Informações, p. A3

Ao divulgar os resultados das mais recentes pesquisas do Ibope e do Datafolha sobre o desempenho do governo, a imagem do presidente e as tendências eleitorais para 2006, a imprensa destacou compreensivelmente que pela primeira vez o tucano José Serra ultrapassou Lula nas intenções de voto já para o primeiro turno - com 6 pontos de vantagem em um levantamento e 7 no outro. (Em relação ao segundo turno, em que a preferência por Serra, já registrada em sondagens anteriores, chega hoje a 13 ou a 14 pontos, conforme o instituto, a novidade é a ascensão do governador Geraldo Alckmin nas simulações que o apresentam como o contendor do presidente: numa pesquisa ele perde por 4 pontos, em outra, por 1, o que no caso é empate estatístico.) Mas o noticiário deixou apenas implícito o nexo entre o cenário futuro e a realidade presente. A cerca de dez meses da eleição que terá um candidato à reeleição, é evidente que o hipotético voto nesse ou naquele desafiante exprime acima de tudo um juízo sobre a atuação do atual mandatário: quando o eleitor assinala "Serra", em parte por ser o mais conhecido adversário potencial de Lula, ou qualquer outro nome, o que ele faz, principalmente, é manifestar sua reprovação ao próprio presidente. Este, por sinal, conseguiu a proeza de subverter, em seu desfavor, um padrão histórico de sondagens do gênero no Brasil: o normal é o povo ser mais crítico dos governos do que dos seus dirigentes. Assim também foi com Lula, mas deixou de ser.

A contar de março, praticamente dobrou a parcela da população que considera o governo ruim ou péssimo (de 17% para 32% dos entrevistados pelo Ibope para a CNI, contra os 29% que o julgam ótimo ou bom, repetindo o resultado do levantamento anterior, de setembro - embora na faixa de renda de até um salário mínimo o índice tenha caído de 38% para 31%). Pois bem. Nesse mesmo período de nove meses, a desaprovação à "maneira como o presidente Lula está governando o Brasil" saltou de 33% para 52%, portanto 20 pontos acima dos veredictos ruim ou péssimo sobre o desempenho do governo. Pior ainda - por ir ao fundo do sentimento popular -, já somam 53% os que não confiam em Lula (contra 43% que confiam).

Quando se leva em conta que a popularidade de Lula é indissociável do seu extraordinário carisma pessoal - enquanto era predominantemente racional o apoio a Fernando Henrique, por exemplo -, tais números não deixam margem a dúvida: o presidente está em queda livre. A crise da corrupção parece ser a principal causa singular do esfarinhamento de sua imagem. Mas duas outras coisas provavelmente interligadas chamam a atenção. De um lado, 46% consideram o governo pior do que esperavam (ante 20% que o julgam melhor e 32%, dentro das expectativas). De outro, a gestão Lula não passou em nenhum dos sete testes propostos pelos pesquisadores. Para 65% o governo fracassou no combate ao desemprego - e 50% o reprovam no item "combate à fome e à pobreza".

O que, por sua vez, desemboca na evasão dos votos lulistas - 1 em cada 3 do pleito de 2004 migraram para Serra. Se a eleição fosse hoje, Lula perderia para ele em todos os grupos de renda - mesmo entre os eleitores da faixa de até dois salários mínimos, o setor tipicamente beneficiado pelo Bolsa-Família. Mesmo no seu último reduto eleitoral, em dados atuais, o Nordeste, o presidente venceria por apenas 3 pontos porcentuais de diferença em um segundo turno com o tucano. Curiosamente, a maioria que só tem queixas do governo, está decepcionada com o trabalho do presidente, perdeu a confiança que depositara nele e teme que a crise afete negativamente a economia, tem uma visão positiva da situação e das tendências do País.

Dois terços dos entrevistados pelo Ibope acham que o ano está sendo bom ou muito bom. E nada menos de 82% (ante 61% em setembro) prognosticam um 2006 bom ou muito bom. Prova desse considerável crescimento do otimismo é que aumentou a parcela dos que prevêem que a sua renda pessoal será maior daqui a seis meses e dos que acreditam na queda do desemprego - ou seja na expansão da atividade produtiva. Isso pode ser atribuído ao chamado feel-good factor que se intensifica no clima festivo dos fins de ano, mas também deve exprimir uma espécie de endosso subliminar da política econômica - dissociada na percepção popular de um governo que se condena e de um presidente em quem não se confia.