Título: Quem encontrará o novo caminho?
Autor: Washington Novaes
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Espaço Aberto, p. A2

No mesmo momento em que se revelava nova e grave evidência científica das mudanças de clima - o derretimento dos gelos polares afetando a Corrente do Golfo e determinando temperaturas muito mais baixas na Europa -, a Reunião das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas, em Montreal, no Canadá, deixava claras as enormes dificuldades políticas de se avançar nessa área. Conseguiu-se a duras penas marcar para maio de 2006 uma nova rodada de negociações para dizer como será uma segunda fase do Protocolo de Kyoto, depois de 2012. E se chegou a uma declaração de intenções para seguir com as conversações sobre a convenção - mas sem nenhuma menção específica a "negociações" ou "metas de redução de emissões de gases", que enfrentam recusa categórica dos Estados Unidos. Se não houvesse consenso sobre maio de 2006, esgotar-se-ia o prazo para abrir as negociações sobre o período pós-2012 e o protocolo morreria. Não haveria mais obrigação de os países industrializados reduzirem suas emissões. E deixaria de existir o Mecanismo do Desenvolvimento Limpo (MDL) - que é parte do protocolo -, pelo qual países industrializados ou suas empresas podem financiar em países em desenvolvimento projetos que reduzam emissões de gases do efeito estufa e descontar essas reduções no balanço daqueles países/empresas. O Brasil tem muito interesse no MDL, projetos já aprovados nesse âmbito e dezenas de outros em fase de negociação ou certificação.

No âmbito da conferência, se as conversações se interrompessem, ficaria fechado o caminho de novos compromissos para reduzir emissões. Embora os Estados Unidos não aceitem essa via, crescem no próprio país as pressões para que a adotem. E o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas continua recomendando que se reduzam em 60% as emissões para evitar que neste século a temperatura planetária suba entre 1,4 e 5,8 graus Celsius e com isso se intensifiquem os já dramáticos efeitos de inundações, secas, furacões, derretimento de gelos polares, elevação do nível dos oceanos, etc.

A separação em dois caminhos, com os Estados Unidos fora do protocolo, não deixa de gerar forte preocupação de que não se consiga uma redução mais efetiva das emissões. Porque, além dos norte-americanos, também a China, a Índia e o Brasil, que já estão entre os maiores emissores de gases, não aceitam negociar compromissos nessa direção, mesmo para depois de 2012. Lembram sempre que as responsabilidades dos países industrializados são maiores, porque emitem há mais tempo e contribuíram muito mais para a atual concentração de gases na atmosfera. Seria importante, assim, que os países mais ricos transferissem aos demais conhecimentos científicos e recursos financeiros para que se adaptem às mudanças climáticas e minimizem seus efeitos. Mas Estados Unidos, Europa e Japão argumentam que em duas décadas as emissões dos países em desenvolvimento já serão maiores que as dos industrializados, pois eles responderão pelo maior aumento que ocorrerá na demanda de energia, agravando as emissões. Deveriam assumir compromissos.

O Brasil, que já é o quinto maior emissor de gases (pouco mais de 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono), conseguiu aprovar no Canadá que se incluam entre os mecanismos da convenção incentivos financeiros a políticas públicas e projetos de conservação de florestas (mas sem compromisso de reduzir o desmatamento e sem direito de os financiadores contabilizarem a redução de emissões por esse caminho). Nesse caso, os financiamentos provavelmente teriam de vir através do Global Environment Facilities (GEF), que é o mecanismo financeiro da convenção. Também foi apresentada em Montreal - mas sem entrar nas discussões oficiais - proposta de Márcio Santilli, Paulo Moutinho, Carlos Nobre e outros cientistas, de compensações financeiras para países que conseguirem reduzir suas taxas de remoção de florestas. Resta definir em relação a esta última as fontes financiadoras, pois também neste caso as reduções de emissões não poderão entrar em balanços de emissões de países ou empresas.

As duas propostas, de qualquer forma, são importantes para o Brasil, onde emissões por causa de desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo respondem por quase 75% do total do País - apontado recentemente pela Organização para a Agricultura e a Alimentação (FAO) da ONU como o campeão do desmatamento no mundo, com 31 mil quilômetros quadrados em todo o País ao longo de um ano. Números recentes divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente apontam uma redução de 30,5% no desmatamento na Amazônia. Mesmo sem discutir fatores conjunturais e outros, ainda é um índice extremamente alto (mais de 18 mil quilômetros quadrados em um ano). E sem falar no desmatamento no cerrado (do qual restam menos de 5% em fragmentos com condições de sobreviver) e na mata atlântica ou no inacreditável aumento do desmatamento no Pantanal (16% da área já atingida) e da atuação de 5 mil carvoarias ali, segundo a Conservation International.

Tudo muito inquietante, num quadro de impasse caracterizado há muito tempo. Mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção, consumo e renda no mundo sinalizam para a inviabilidade dos nossos modos de viver. Mas não temos regras nem instituições capazes de promover em plano global mudanças radicais e com a urgência indispensável.

Quem encontrará esse novo caminho, capaz de superar as lógicas apenas financeiras que comandam nestes tempos tumultuosos (expressão do escritor Pierre Van Passen) as trilhas humanas?