Título: Justiça tira controladora da Varig
Autor: Alberto Komatsu
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Economia & Negócios, p. B16

Fundação Ruben Berta foi afastada, por comissão de juízes, do controle político e administrativo da companhia

A Justiça do Rio afastou ontem a Fundação Ruben Berta (FRB) do controle político e administrativo da Varig, para garantir a continuidade do processo de reestruturação da empresa. A decisão foi tomada depois de a FRB ter pedido, ontem, a desistência do processo de recuperação judicial, iniciado no dia 22 de junho. A comissão de juízes que acompanha o caso, porém, negou o pedido. A assembléia de credores do dia 19, que ficava ameaçada com essa solicitação, está confirmada. A fundação ainda pode recorrer. Ficam à frente da companhia o presidente-executivo, Marcelo Bottini, e o presidente do conselho de administração, Humberto Rodrigues Filho. "Chegamos à conclusão de que quem faz um pedido desses está abusando dos poderes de controlador", disse a juíza Márcia Cunha, que integra a comissão de juízes responsáveis pela recuperação judicial da Varig. "Depois que eu aproveito do filé mignon da recuperação judicial, eu digo tchau: não quero mais recuperação judicial e passo para uma recuperação extrajudicial. Isso não nos parece algo de boa-fé", acrescentou.

A juíza se referiu aos 180 dias de proteção contra execuções judiciais que a Varig tem direito desde o início da recuperação judicial até o dia 8 de janeiro. Na interpretação da Justiça fluminense, a fundação se aproveitou desse período e, quando percebeu que não seria mais conveniente aos seus interesses, pediu para sair do processo. "A decisão blinda a companhia contra a ação dos controladores", disse a juíza Márcia.

O presidente da Fundação Ruben Berta, César Curi, demonstrou perplexidade com a decisão judicial. "Não estou entendendo o que aconteceu. E também não entendo por que a Justiça impediu a venda do controle. Todos diziam que a gente tinha que encontrar um novo controlador. Quando a gente encontra, ocorrem todos esses movimentos", disse. Segundo ele, era cedo para dizer que atitude a FRB iria tomar a respeito da decisão judicial. "Estou procurando entender primeiro para depois me manifestar."

A decisão da comissão de juízes também foi motivada porque eles estranharam a petição que foi encaminhada pela FRB com o pedido de desistência. A juíza conta que o documento não continha nenhuma procuração das três empresas em recuperação judicial (Varig , Rio Sul e Nordeste) dando poderes ao escritório de advocacia Hélio Cavalcanti e Sérgio Mazillo, que até então não participava do caso. Segundo ela, a FRB não pode nomear advogados em nome da Varig.

Foi aí que a Justiça do Rio encontrou mais um indício da interferência da fundação e do empresário Nelson Tanure, que na segunda-feira havia anunciado ter comprado o controle da empresa - negócio anulado pela Justiça na quarta-feira - nos rumos da reestruturação da companhia. Segundo a juíza, a FRB pressionou Bottini e Rodrigues Filho a assinarem a procuração. Como eles se recusaram, a petição da fundação foi encaminhada sem procuração da Varig. "Eles (Bottini e Rodrigues) resistiram heroicamente, mostraram grande senso de responsabilidade", elogiou a juíza.

Fontes do mercado contam que o pedido de desistência da recuperação judicial foi uma manobra para a fundação e a Docas Investimentos, de Tanure, ganharem tempo e driblarem a assembléia da próxima segunda-feira. Eles tinham conhecimento de que os credores iriam recusar a proposta de US$ 112 milhões de Tanure para comprar 25% do capital da FRB-Par, holding que detém 87% das ações da Varig, mais o "aluguel" de 42% de participação por 10 anos. Apesar de a fundação ter sido afastada do controle, a negociação ainda será votada pelos credores porque ela permanece como dona das ações.

O procurador do Ministério Público das Fundações, Antônio Carlos de Avelar Bastos, do Rio Grande do Sul, vem acompanhando atentamente os passos da fundação e viu com desconfiança as "manobras" dos curadores com Tanure. "Essa manobra para desistir do processo de recuperação é no mínimo estranha", disse. COLABOROU: M.B.

O QUE ISSO MUDA NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL? A saída do controlador não interrompe em nada o processo de recuperação judicial. Todos os prazos e obrigações continuam de pé. Na segunda-feira, dia 19, os credores irão se reunir em assembléia para discutir e votar o plano de recuperação judicial que será apresentado pela administração da Varig. A assembléia também irá julgar o negócio de venda do controle da Fundação Ruben Berta para o empresário Nelson Tanure, uma vez que a fundação continua dona da companhia. A rejeição do plano de recuperação judicial na assembléia implica falência imediata da companhia.

POR QUE A JUSTIÇA AFASTOU A FUNDAÇÃO RUBEN BERTA DO CONTROLE? Foi uma resposta à tentativa da fundação de tirar o poder dos credores. A fundação tentou abandonar o processo de recuperação judicial, iniciado em junho, quando percebeu que seus interesses - venda/aluguel do controle para o empresário Nelson Tanure - não seriam aprovados pelos credores. Mas a Justiça entendeu que a medida seria prejudicial tanto para a empresa quanto para os credores. Com a manutenção do processo de recuperação nas mãos dos credores, ficam reduzidas as chances de Tanure concretizar a compra da Varig.

QUAIS OS OUTROS OBSTÁCULOS À RECUPERAÇÃO DA EMPRESA? A Varig terá de convencer a Justiça americana, durante audiência no dia 21, de que sua operação é viável e de que ela terá condições de honrar obrigações com as empresas de leasing. Caso contrário, a Justiça poderá suspender a liminar que protege a Varig contra arresto de aeronaves.

O QUE MUDA PARA OS PASSAGEIROS? A mudança do controle não afeta em nada as operações da empresa. Mas as decisões da assembléia de segunda e da audiência na quarta-feira poderão ser decisivas para o futuro da empresa no curto prazo.