Título: Fundo já está ficando sem clientes
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Economia & Negócios, p. B9

Com decisão de Brasil e Argentina, dois terços dos créditos do FMI estão na mão de 3 países

O Fundo Monetário Internacional (FMI) está ficando sem clientes. A decisão do Brasil e da Argentina de saldar suas dívidas reduzirão de US$ 68 bilhões para US$ 36 bilhões o total de créditos que a instituição tem a receber. Mais de dois terços desse total serão devidos, agora, por apenas três países: Turquia (US$ 15 bilhões), Indonésia (US$ 8 bilhões) e Uruguai (US$ 2,5 bilhões). "Acho que poderíamos dizer que o Brasil e a Argentina desencadearam esta semana um ataque especulativo contra o Fundo", brincou um economista familiarizado com a instituição.

Mais importantes, porém, são as implicações substantivas que os pré-pagamentos consecutivos por dois grandes devedores têm para a estrutura de financiamento das operações do próprio Fundo.

A organização paga a manutenção dos dois prédios que ocupa no centro de Washington, os salários de seus mais de 2 mil funcionários, as missões que eles fazem aos países membros e uma série de outras atividades com os juros - atualmente de 1,08% ao ano - que cobra dos empréstimos que faz.

Com a redução do número de devedores, o ônus passa a recair sobre um número menor de países e aumenta, em tese, a chance de o FMI aumentar a remuneração dos seus empréstimos para financiar seu orçamento operacional.

O Brasil e outros países em desenvolvimento defendem, há anos, a adoção de uma nova estrutura de financiamento do Fundo, que permita a aplicação prudente de uma parte de recursos em investimentos.

Por estatuto, a maior parte do capital do FMI está investida em ouro, cotado ao preço da época dos acordos de Bretton Woods, que criaram o Fundo e o Banco Mundial (Bird), quase 60 anos atrás.

ARGENTINA

O diretor- gerente do Fundo Rodrigo de Rato, disse ontem que recebeu com agrado o anúncio do governo da Argentina de que vai pagar antecipadamente os quase US$ 10 bilhões que deve à instituição.Mas foi ele bem menos efusivo que nas declarações que fez na terça-feira sobre a decisão idêntica anunciada pelo Brasil.

Rato afirmou, num comunicado, que a iniciativa do governo de Néstor Kirchner "reflete a confiança que eles têm de que sua posição externa é suficientemente forte para justificar o pagamento antecipado".

O dirigente do Fundo sinalizou, no entanto, que não concorda necessariamente com essa avaliação, lembrando que há importantes desafios e oportunidades à frente para a Argentina e o Fundo se mantém pronto para dar assistência às autoridades (do país) de todas as maneiras que possam ajudar a lidar com esses desafios.

De acordo com fontes da instituição, a primeira reação ao anúncio do pré-pagamento da Argentina foi de alívio, pois poupará os funcionários do FMI de reuniões com a nova equipe econômica nomeada por Kirchner, que é vista com forte reticência.