Título: Kirchner vai zerar dívida com FMI
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Economia & Negócios, p. B8

País anuncia antecipação de pagamento de US$ 9,8 bilhões

Com toda pompa, o presidente Néstor Kirchner anunciou ontem, no início da noite, que seu governo pagará até o fim do ano a totalidade da dívida argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No histórico Salão Branco da Casa Rosada, Kirchner declarou que "el desendeudamiento" (o desendividamento) será feito num único pagamento, de US$ 9,810 bilhões. "Esta é a oportunidade de mudança...Um momento histórico!", exclamou Kirchner, que foi aplaudido em pé freneticamente pela platéia. Segundo o presidente, o cancelamento da dívida total (cujos últimos vencimentos ocorriam em 2008), permitirá a economia de US$ 1 bilhão em juros.

Kirchner, acompanhado pela ministra da Economia, Felisa Miceli, disse que "usando as reservas de livre disponibilidade para o pagamento da dívida, o efeito monetário será neutro". O Banco Central argentino tem US$ 26,8 bilhões em reservas. Segundo Kirchner, a medida foi tomada após ter recebido o respaldo do Brasil e da Venezuela.

No discurso, Kirchner criticou os diversos setores financeiros que defenderam o endividamento ao longo dos últimos anos: "Cada vez que nos endividávamos, nos enfraquecíamos perante o mundo".

O presidente sustentou que o pagamento da dívida também implicava em uma mudança de mentalidade: "Nos educaram muito tempo para a impotência e para o tal do 'não seria possível'. Eles nos queriam convencer de que as dificuldades eram tão grandes, que era melhor que nada mudasse. Mas estamos tentando sair do inferno em que caímos e criar uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo".

Há um ano e meio, Kirchner alardeava periodicamente que a Argentina pagaria a dívida com o Fundo. Mas, as baixas reservas do Banco Central argentino haviam impedido que essa medida fosse tomada. Além disso, no ano passado, Kirchner não contava com o amplo respaldo político interno que obteve a partir de outubro, quando venceu as eleições parlamentares, esmagando seus adversários, entre eles, o ex-presidente provisório Eduardo Duhalde.

Outro fator que possibilitou o anúncio de ontem foi o sucesso de Kirchner, no primeiro semestre deste ano, em reestruturar a dívida pública com os credores privados.

De quebra, o anúncio foi possível graças à demissão do ministro da Economia, Roberto Lavagna, que se opunha ao pagamento de toda a dívida. Ele era defensor do desendividamento gradual.