Título: Morrendo na praia
Autor: Rogério L F Werneck
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

Lula está colhendo o que plantou. Tivesse botado ordem no coreto e enquadrado a ministra Dilma Rousseff há cerca de um mês, não estaria com os problemas que hoje enfrenta. Preferiu dar alento à ambigüidade e manter um pé em cada canoa. Foi o que bastou para que em poucas semanas a dissidência dentro do governo assumisse proporções alarmantes. Até ocupantes mais acanhados de cargos de alto escalão, que se vinham mostrando razoavelmente disciplinados, se sentiram de repente encorajados a vir a público para fazer críticas contundentes à política econômica do governo. No fim de semana passado, o quadro ficou ainda mais confuso quando o novo Diretório Nacional do PT aprovou resolução com críticas veementes a pontos fundamentais da estratégia econômica do governo. Depois de terem arcado com o ônus de três anos de esforço para manter uma política macroeconômica coerente, que tem dado bons resultados e se mostrado cada vez mais promissora, os petistas parecem mesmo decididos a morrer na praia, enrolados nas velhas bandeiras que o partido jurava ter enterrado. É verdade que parte importante do PT não subscreve tais críticas. Mas a ambivalência do partido nessa matéria abriu flanco para que o PSDB o acusasse de esquizofrenia, por estar tentando ser, ao mesmo tempo, favorável e contrário à política econômica do governo. Trata-se de crítica séria que o PT não deveria deixar de levar em conta. Os tucanos têm larga experiência no ramo. Sentiram na própria pele as conseqüências desastrosas de terem feito exatamente isso na campanha eleitoral de 2002. O PSDB não tem do que reclamar. As dificuldades que enfrentou nos últimos três anos para manter discurso econômico diferenciado, que pudesse ser contrastado ao de Palocci, estão prestes a desaparecer. Os tucanos podem acabar recebendo de volta, de mão beijada, a bandeira da coerência macroeconômica, que preferiram deixar nas mãos do PT a partir de 2002. Se tiverem juízo - algo que não se pode assegurar -, podem até ficar com o monopólio do discurso econômico conseqüente em 2006. O que não é fácil perceber é que cálculo político estará fazendo Lula para decidir entregar de bandeja o que parecia ser seu maior trunfo nas eleições do ano que vem. Assentada a poeira levantada pelo solavanco do terceiro trimestre, vai-se disseminando o consenso que a combinação de taxas de juros em queda com algum aperto fiscal pode dar lugar a vigorosa retomada do nível de atividade em 2006. Nesse cenário, a economia poderia perfeitamente crescer 4% no ano que vem, com emprego e renda do trabalhador em expansão, contas externas sólidas, risco País em queda e inflação em torno de 5% ao ano. É lamentável que o governo esteja em vias de abandonar a possibilidade de tirar proveito político desses resultados, para apostar nos dividendos eleitorais de uma reles farra fiscal no apagar do mandato. Naturalmente, tais resultados só serão viáveis se for possível vislumbrar que a política econômica de 2006 terá continuidade ao longo do próximo mandato presidencial. Tornam-se totalmente fantasiosos se o que se tem em mente é atravessar o ano que vem com Lula brandindo um "programa econômico anti-Palocci" para o segundo mandato, como desabridamente vêm propondo alguns dos novos próceres petistas que, na esteira do expurgo por que passou a elite dirigente do partido, se viram repentinamente alçados a posições de alto coturno. O secretário-geral do PT apregoa mudança ainda mais rápida. Quer que "o último ano de Lula seja o primeiro do segundo mandato". O devastador descabeçamento do partido, ainda em curso, desencadeado pelos escândalos dos últimos meses, vai-se fazendo sentir nas posições dominantes do PT e na estratégia econômica do governo. Torna-se a cada dia mais provável que a política econômica dos três primeiros anos do governo Lula acabe sendo não mais do que um desvio passageiro, que o PT não teve como evitar nas circunstâncias especiais de 2002. Avolumam-se as evidências de que, ao renegar a política econômica de Palocci e desfraldar novamente suas velhas bandeiras equivocadas, o partido está apenas retomando seu curso natural. Para o País, isso seria uma involução lamentável, que voltaria a estreitar em muito o common ground de idéias básicas consensuais, compartilhadas entre governo e oposição.