Título: Brasil & FMI - adeus ou até logo?
Autor: Antonio Corrêa de Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Economia & Negócios, p. B2

O governo brasileiro resolveu antecipar o pagamento de sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), num montante de US$ 15,5 bilhões. Foi uma decisão sensata. No entanto o que vai garantir que o Brasil não tenha que recorrer novamente ao socorro do órgão é o acerto do mix da política macroeconômica, além, é claro, das condições do quadro internacional. Somente no período de 1998 para cá o Brasil recorreu três vezes ao FMI, obtendo um montante stand by de US$ 57 bilhões (US$ 14,3 bilhões em 1998, US$ 17,2 bilhões em 2001 e US$ 26 bilhões em 2002). Entre 1995 e 1998 o País havia ampliado seguidamente o seu déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que atingiu mais de US$ 32 bilhões ao ano. O aumento da vulnerabilidade externa da economia brasileira foi decorrente da valorização da taxa de câmbio, que elevou o volume de importações, desincentivou as exportações e ampliou o déficit na conta de serviços. Os efeitos das crises asiática e russa ampliaram a desconfiança do mercado, o que dificultou o financiamento externo. A partir de 1999, com a desvalorização e a mudança do regime cambial, o quadro começou a ser revertido. No entanto a partir de 2001 as eleições gerais no Brasil acrescentaram um novo fator de desconfiança a respeito do futuro. O FMI serviu de avalista nessas ocasiões. A melhora das condições do cenário internacional a partir de 2002 tornaram o ajuste brasileiro mais fácil. A economia mundial crescendo acima de 4% ao ano puxou a demanda por commodities que tiveram seus preços valorizados. Há uma ampla liquidez de recursos para empréstimos, financiamentos a juros baixos e investimentos diretos, facilitando a tarefa dos países, que, como o Brasil, dependem de recursos externos. Os recursos do FMI são alocados no nível de reservas brutas, atualmente por volta de US$ 67 bilhões, que nesse caso também incluem os mesmos recursos do FMI. Ou seja, com o pagamento, o Brasil manterá um nível de reservas brutas iguais às líquidas de aproximadamente US$ 52 bilhões. Também reduzirá a dívida externa do setor público de US$ 100 bilhões para US$ 85 bilhões. Automaticamente a dívida externa total (incluindo a privada) diminuirá dos US$ 183 bilhões atuais para US$ 168 bilhões. Como deveremos exportar cerca de US$ 120 bilhões esse ano, a relação dívida externa/ PIB cairá a 1,4. Esse indicador era de quase 5 em 1999, denotando progressiva melhora. É um dos quesitos da avaliação de risco por parte das agências e o Brasil se qualifica gradualmente para a obtenção do "grau de investimento". Mas é preciso também melhorar a relação dívida pública (inclusive interna)/PIB estacionada há dois anos em 51%, por causa principalmente do elevado custo de financiamento provocado pela maior taxa de juros reais do mundo, que é praticada em nosso país. Porém, como ninguém pode afirmar que as condições internacionais continuarão favoráveis indefinidamente, convém precaver-se. Há muitos problemas estruturais que poderão reverter o quadro nos próximos anos. Assim, cabe aos países, especialmente a aqueles que, como é o nosso caso, não possuem moeda conversível e detêm um considerável passivo externo, "colocarem as barbas de molho". Não convém cair no "canto da sereia" da valorização artificial do moeda para conter a inflação, mediante a prática de juros reais domésticos excessivamente elevados. As experiências internacionais e a nossa própria já demonstram a fragilidade dessa (falta de) estratégia. Devemos persistir no caminho de recuperação de reservas próprias, derivadas de receitas exportadoras mais estáveis e recursos de longo prazo, especialmente investimentos diretos estrangeiros de qualidade. Por exportações mais estáveis entendam-se aquelas menos dependentes da conjuntura internacional de demanda e de preços. A dependência excessiva de commodities nos torna reféns não só da demanda, mas também das condições de oferta. Produtos baratos atraem uma quantidade crescente de fornecedores, o que tende a provocar ciclos de baixa. A receita mais adequada para que o Brasil possa caminhar sustentadamente, com as próprias pernas, é a combinação virtuosa de juros e tributos mais baixos, câmbio mais desvalorizado e a adoção de políticas de desenvolvimento que fomentem a criação e o fortalecimento das vantagens competitivas locais.