Título: Feliz ano rural
Autor: Xico Graziano
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2006, Espaço Aberto, p. A2

O ano passado ficará na memória como uma época difícil para a agricultura brasileira. Marcou uma reversão de expectativas, trazendo crise e insegurança ao setor. Nada, entretanto, que desanime. Mesmo cambaleado, o produtor rural vira o ano otimista. Mania de sofredor. A safra iniciou 2005 enfrentando terrível seca no Sul. Na colônia gaúcha, há meio século não se via tristeza igual. A estiagem estendeu-se até as franjas do Centro-Oeste, afetando a produtividade das lavouras de soja, milho, algodão. Pelo terceiro ano consecutivo, a produção de grãos caiu, somando 113,5 milhões de toneladas, ante 119,1 milhões no ano anterior e 123,1 milhões na safra 2002/2003. Ladeira brava.

Forte queda nos preços agrícolas, motivada pelo excesso de oferta no mercado global, derrubou a rentabilidade agrícola. Na pecuária, a arroba do boi atingiu o menor valor em 30 anos. Resultado: o PIB da agropecuária recuou 3,4%. Nos três anos anteriores, havia sido o carro-chefe do crescimento econômico.

Já nas culturas permanentes, as notícias estiveram animadas. O democrático café, que amargara quatro anos terríveis, viu recuperar seu preço e agora olha para o futuro confiante. A demanda cresce graças aos preciosos investimentos na qualidade da bebida. Lição de casa bem feita!

Na cana-de-açúcar, há verdadeira euforia. Mercados importantes se abrem ao doce produto nacional. No álcool, 2005 será conhecido como o ano do bi, o veículo bicombustível. Hoje, 71% dos carros novos saem da fábrica ambivalentes. Ninguém poderia imaginar, quando lá atrás se lançou o Proálcool, que os técnicos inventariam essa maravilha.

No front externo, o Brasil segue seu importante aprendizado de marketing. Ao lado da Austrália e da Tailândia, venceu a guerra do açúcar contra a União Européia, forçando-a a retirar os subsídios às exportações do oneroso açúcar de beterraba. Alinhado com pobres países africanos, impôs brilhante derrota aos Estados Unidos na guerra contra os subsídios do algodão. Ganhou a causa contra os franceses com relação ao frango congelado e, de quebra, pegou carona com os países da América Central, conquistando mercados para a banana tupiniquim. Perdeu apenas uma: acusado pelos norte-americanos de praticar dumping nas exportações de camarão, viu-se obrigado a recolher uma sobretaxa sobre o crustáceo cultivado no Nordeste. Paciência.

Com essas e outras, a balança comercial do agronegócio bateu novo recorde em 2005. As exportações de produtos oriundos da roça atingiram US$ 42 bilhões, cerca de 40% da pauta total. Cada vez menos dependente de importações, salvo o trigo, o superávit gerado pelo agronegócio rendeu, líquidos, US$ 37 bilhões ao País. Significam centenas de milhares de empregos criados pelo interior afora.

Desgraçadamente, porém, 2005 será lembrado como o ano em que a febre aftosa retornou ao gado bovino. Foi um azar anunciado, um castigo para a incompetência governamental. O País perdeu credibilidade na defesa agropecuária.

A novela dos transgênicos teve capítulos de alta audiência no ano passado. Após seis anos de discussão, o Congresso Nacional finalmente aprovou, em março, a famosa Lei de Biossegurança. A lerdeza do governo, todavia, segurou sua regulamentação por longos e desnecessários oito meses, quase uma gestação humana. Não houve final feliz. Os cientistas foram desprestigiados, sujeitando-se aos ambientalistas de carteirinha para aprovar a liberação comercial das novas tecnologias. Aguardem novos capítulos.

O mico do ano ficou por conta da avestruz. Ave promissora, deixou-se contaminar pelos picaretas de sempre. Empresas alardearam lucros extraordinários, maiores que os ovos do bicho, cativando incautos que pensam ser fácil ganhar dinheiro na agricultura. Triste ilusão. O boi gordo do passado acabou substituído pelo penáceo gigante. Que aprendam a lição.

O ano de 2005 trouxe uma novidade, a idéia da criação da agência reguladora dos agronegócios. Proposta pela Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, recebeu o decidido apoio das entidades do setor, especialmente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Ninguém agüenta mais trabalhar combatendo os efeitos das crises, principalmente o endividamento rural.

Deseja-se encontrar um mecanismo, a tão sonhada política agrícola, que previna as crises, atuando com agilidade, tomando medidas concretas visando à manutenção da renda e do emprego no campo. O Brasil caminha para assumir a dianteira no mundo agrícola. Merece um Ministério da Agricultura forte, prestigiado, competente.

Como será 2006? Boa pergunta. Na safra de grãos, tudo dependerá de São Pedro. A área plantada será menor e o uso de tecnologia estará reduzido. Os mercados continuam frouxos. O negócio é acender vela, ter fé em Deus. E não torrar dinheiro à toa em caminhonetes.

Eleições. Este será o mais importante evento de 2006. Sim, o agricultor brasileiro precisa aprender a se organizar, definir sua agenda e mobilizar a política. A pedagogia democrática, o aprendizado participativo, é fundamental para os rumos da nova política agrícola. Que a atitude empreendedora vença a passividade e as lideranças rurais se renovem.

Feliz ano rural. Que o Brasil descubra a força de sua agricultura. Quando ela vai bem, mais ganha a cidade.