Título: Excesso de peso provoca em jovens doenças de adultos
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Vida&, p. A16

Pesquisa de ONG do Rio com 600 pessoas de 6 a 18 anos diz que 41,6% têm colesterol alto, por exemplo

Neste Natal, o estudante Fábio Costalonga, de 17 anos, não vai comer panetone. Muito menos rabanada. Todo fim de ano é essa luta. O garoto descobriu que tinha colesterol alto aos 6 anos. Na época, pesava 60 quilos, o dobro do normal. "Ele era capaz de comer uma caixa inteira de bombons", lembra Liliam, a mãe. E, há cinco anos, ele descobriu que sofria de diabete e desde então toma insulina todos os dias. Sua alimentação tem de ser reguladíssima. "Eu me controlo sempre, faço muitos sacrifícios. Adoro doce, pão e massas", conta ele. "Hoje, ele pode comer a metade de carboidratos do que comia antes", complementa Liliam. Costalonga faz parte de um perfil cada vez mais comum em pesquisas de saúde: o de crianças e adolescentes com doenças de risco para o coração, a maioria delas com excesso de peso. Um estudo recém-divulgado da ONG Pró-Criança Cardíaca, no Rio, com 600 crianças e adolescentes com idade de 6 a 18 anos - a maioria acima do peso - de todas as classes socioeconômicas, revelou um dos dados mais alarmantes já vistos. Um deles, o de que 41,6% deles tinham colesterol total alto. Outros: 11,16% com triglicérides, 10,16% com LDL (o colesterol ruim) e 5% com glicose acima dos limites tolerados pela medicina.

Mais: 2% sofriam de síndrome metabólica, uma espécie de desordem orgânica, quando a pessoa tem cinco fatores de risco ao mesmo tempo (ver quadro ao lado). "O que me impressiona é que essas doenças são típicas de adulto", conclui a cardiologista Rosa Célia Barbosa, coordenadora do trabalho.

Doenças de adulto, com hábitos de adulto também. A cardiologista observou que a maioria deles passava mais de duas horas por dia na frente da televisão ou do computador e não praticava nem o mínimo de tempo de exercícios físicos diários recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o de meia hora. Vale lembrar que nessa meia hora poderia estar incluída até mesmo uma simples caminhadas pelo quarteirão.

"É muito raro que a combinação vida sedentária e má alimentação não prejudique o coração", explica o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, coordenador do Comitê do Selo Funcor, da Sociedade Brasileira de Cardiologia e professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. "Essa combinação na criança ou adolescente tem efeito de bomba-relógio."

COLESTEROL

Entre os maiores problemas, o colesterol. O ruim (LDL) - quando a proporção da proteína responsável por transportar gordura às células é maior que a própria gordura no sangue - com o tempo deteriora as artérias, acumulando-se nas paredes dos vasos. As conseqüências são doenças de origem circulatória, como o entupimento das artérias, derrame e enfarte. "É natural que elas apareçam com o passar do tempo, quando envelhecemos. Mas uma criança com a doença significa que está se expondo muito antes a todos os fatores de risco e muito provavelmente vai enfartar bem jovem", diz Malachias. "O mesmo vale para glicose e triglicérides altos, que irritam os vasos com o tempo."

Mais grave ainda é a chamada síndrome metabólica, conjunto de cinco doenças que alteram o metabolismo e, conseqüentemente, afetam o coração - diabete, hipertensão, triglicérides, colesterol e obesidade. Quem sofre da síndrome tem quatro vezes mais chance de morrer do coração. Na pesquisa do Rio, ela apareceu em 2% dos entrevistados.

COMIDA

A alimentação é uma das principais portas de entrada para essas doenças. "A obesidade é o mais importante", diz Rosa, coordenadora do trabalho. A criança até os 12 anos tem um agravante, de sua própria constituição orgânica. Quando ela engorda, as células se multiplicam. Depois dessa idade, quando o organismo engorda, a maioria das células aumenta de tamanho, em vez de se reproduzir. Ou seja, é muito mais difícil combater a obesidade antes dos 12 anos de idade.

A alimentação das crianças da ONG do Rio assim como o risco genético estão em fase de tabulação no trabalho da cardiologista. Mas sabe-se que a dieta ideal deve ter 60% de carboidratos (pães, massas e doces), 25% de gorduras e 15% de proteínas (carne).

As fibras, que entram na fatia dos carboidratos, têm papel especialmente importante contra o excesso de peso. Elas diminuem a absorção de gordura pelo tubo digestivo. Ou melhor, elas se fixam na gordura e são facilmente eliminadas. Os antioxidantes, também carboidratos, presentes nas frutas cítricas, evitam a oxidação das artérias - a gordura "prefere" se depositar na parte das artérias que sofreu oxidação.