Título: Crise abala imagem de Moscou como parceiro confiável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2006, Internacional, p. A9

A interrupção do fornecimento de gás desencadeou uma crise política na Ucrânia e ameaça transformar-se num passo em falso do presidente russo, Vladimir Putin, pois, indubitavelmente, recairá sobre seus ombros grande parte da culpa se o abastecimento para a Europa Ocidental no inverno for interrompido por causa da briga de preços do seu país com a Ucrânia. "No mesmo dia que assumiu a presidência do G-8 (o grupo dos sete países mais industrializados do mundo, mais a Rússia), o país cortou o suprimento para a Ucrânia, o que ao menos indiretamente ameaça o abastecimento de gás para a Europa. Isso prejudica diretamente a credibilidade da Rússia", disse Chris Weafer, estrategista-chefe do Alfa Bank de Moscou.

A Rússia ainda é uma parceira júnior aspirando ao status de membro pleno do G-8. Sua presença no clube de elite das nações desenvolvidas se deve não a sua economia - que está bem abaixo da dos outros membros -, mas a sua condição de maior produtor de gás do mundo e de um importante produtor de petróleo, disseram analistas.

Repetidas vezes Putin enfatizou seu comprometimento com a "segurança" da energia, a qual a Rússia insiste que pode proporcionar de forma mais confiável do que os países assolados por conflitos do Oriente Médio. Mas no domingo, a Rússia fez um anúncio altamente teatral, transmitido pela televisão para todo o país, sobre o fechamento dos registros de gás.

"Nesta disputa, a probabilidade é que ambos os países recorram ao tribunal internacional de arbitragem de Estocolmo, e provavelmente o Ocidente ficará do lado da Ucrânia", disse Ruslan Grinberg, diretor do Instituto de Economia da Academia de Ciências Russa. "A Rússia é uma potência nuclear e grande participante do mercado internacional, mas se alguém de fora tiver de começar a resolver nossos problemas bilaterais, isso significa que o país ainda não está pronta para se converter numa líder do mercado global", concluiu.

No ano passado, a estatal Gazprom e o novo governo pró-Ocidente da Ucrânia haviam chegado a um acordo para um período de transição de tarifas. As negociações esfriaram quando a Gazprom exigiu US$ 230 por mil metros cúbicos - quantia comparável a que é paga pela Alemanha e Romênia, entre outros (ver quadro). A Ucrânia acha que tem de pagar menos por estar mais perto da Rússia e porque por seu território passam os gasodutos que abastecem os vizinhos. Muitos ucranianos relacionam a pressão da Gazprom a motivações políticas, já que a chamada revolução laranja derrubou em 2004 o governo pró-russo de Kiev.