Título: Voltam a crescer as adoções em SP
Autor: Robson Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/01/2006, Vida&, p. A11

A enfermeira Ana Maria Mendes, mãe de três filhos biológicos, se encantou pelo sorriso de José Maria, então com 7 anos. Ela viu o menino pela primeira vez numa foto mostrada por uma amiga que trabalha num grupo de apoio à adoção, em Campinas. Apesar da vontade antiga de adotar, nunca havia se candidatado. "Me contaram da falta emocional e das negligências que ele tinha passado e pensei que alguém que sorria daquele jeito após ter sofrido tanto só podia ter uma alma muito boa", conta. Depois de dar entrada na documentação, ela e o marido Manuel foram a Santa Catarina - Estado onde, coincidentemente, nasceram também - buscar o menino. "Ele logo gostou do Manuel, pegou na mão dele, se despediu das pessoas da instituição e foi embora conosco, sem qualquer dificuldade", lembra. "No carro, ele já nos chamava de pai e mãe."

Segundo o juiz Reinaldo Torres de Carvalho, secretário-geral da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional, é comum a adoção fora do Estado, principalmente para quem busca bebês, já que são poucos em São Paulo. "Não tinha problema nenhum para mim ele não ser um bebê. Eu já tinha gerado três filhos", diz Ana Maria.

Ela conta que, no começo, o menino apresentou dificuldades motoras e de fala, mas que foram diagnosticadas como conseqüências emocionais e hoje já estão resolvidas.

Sua filha biológica mais nova, de 9 anos, foi fundamental para adaptar o irmão. "Eles brincavam muito e tudo acabou sendo fácil." Zé Maria já tem 10 anos e hoje estuda e freqüenta escolinha de futebol. "Ele é uma criança paciente, tranqüila e trouxe algo novo para nossa família." R.C.

As adoções de crianças em São Paulo não só aumentaram no ano passado, como apresentaram mudanças de perfil. A resistência de casais a acolher crianças mais velhas ou de cor negra e parda - e mesmo a adotar irmãos - caiu, confirmando uma tendência observada por órgãos e entidades que lidam com adoção.

"A quantidade de crianças adotadas tem crescido, mas o mais importante é a mudança que está ocorrendo no perfil", afirma o juiz-corregedor Reinaldo Torres de Carvalho, secretário-geral da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai).

A média mensal de adoções em São Paulo passou de 273 em 2004 para 311 em 2005, um crescimento de 14%. Nos últimos cinco anos, 18.343 adoções foram homologadas no Estado. De acordo com dados do Tribunal de Justiça, até outubro 1.742 pessoas ou casais passaram a integrar as listas, ante 1.444 inscritos em 2004. Em termos mensais, o crescimento no número de pretendentes chegou a 45%.

Outra pesquisa recém-concluída pelo CeCif , ONG que trabalha com grupos de apoio à adoção, revela que os interessados ainda insistem em acolher crianças recém-nascidas e de no máximo 2 anos (68% dos casos), opção seguida pela faixa etária dos 2 aos 5 (27%) - e do sexo feminino. Mas, embora a grande maioria ainda prefira os brancos (71%), o número de pretendentes que não fazem restrições de cor ou de raça cresceu 14,5%.

A oferta de crianças entra em uma espécie de funil. "Ao contrário do que muita gente imagina, o número de brasileiros dispostos a adotar é suficiente para resolver de vez o problema", garante Gabriela Schreiner, coordenadora da CeCif. "Em São Paulo a lista de interessados é cerca de dez vezes maior do que o número de crianças."

A discrepância esbarra justamente na exigência da parcela de candidatos que ainda preferem os mais jovens e brancos. "As pessoas querem crianças que não existem", ressalta o juiz-corregedor. "O perfil da criança hoje disponível para adoção é o negro ou pardo, com oito anos de idade e muitas vezes com dois, três ou quatro irmãos", analisa Gabriela. "Estamos tentando conciliar o desejo de quem quer adotar com a realidade nos abrigos de menores", diz o juiz. Segundo ele, a fila de espera por um recém-nascido chega a demorar cinco ou seis anos.

A professora Isilda Cerasoli adotou dois bebês e, há um ano e meio, resolveu acolher também uma menina de 5 anos. "Muita gente acha que a criança mais velha traz muitos traumas. Mas a experiência da rejeição pode vir desde a gestação", diz. Ela conta que, no início, houve um "choque cultural e de valores" com o resto da família, mas logo a menina se adaptou. "A criança também se esforça." Isilda, que é voluntária em um grupo de apoio à adoção em Campinas, conta que crianças mais velhas normalmente exigem um acompanhamento de psicólogos.

IRMÃOS

Entre aqueles cadastrados para futuras adoções, 20% declaram-se dispostos a adotar grupos de irmãos. Mas apenas 1% admitiu a possibilidade de levar para casa crianças com necessidades especiais, como HIV ou distúrbios mentais. "Quando alguém procura irmãos, imagina gêmeos ou crianças com diferença mínima de idade. Mas o que temos são grupos de cinco ou seis irmãos reunidos em abrigos, em que o mais velho, apesar de adolescente, acaba ocupando a responsabilidade sobre os outros a ponto de o caçula considerá-lo um pai", diz Torres.

Das mais de 18 mil adoções legais realizadas em São Paulo nos últimos cinco anos, apenas 2,5% (478) foram feitas por casais estrangeiros. "O Brasil deixou de ser um grande centro mundial de adoções de crianças, exatamente por falta de oferta", afirma Gabriela.