Título: Bolívia cresce, mas não cria empregos
Autor: Roberto Lameirinhas
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Internacional, p. A14

Benefícios do crescimento econômico não chegaram aos dois terços da população mais pobre, diz economista

A julgar pela frieza dos índices oficiais, Evo Morales receberá em 22 de janeiro um país muito melhor, em termos econômicos, do que receberam seus antecessores. No últimos cinco anos, a Bolívia cresceu em média 4% ao ano - cifra parecida com a dos demais países da região - e o PIB per capita chegou a US$ 2.600 no ano passado. Entre janeiro e outubro de 2005, as exportações cresceram 22,79% em relação ao mesmo período de 2004. Pela primeira vez em várias décadas, o governo não precisará de doações internacionais para pagar o abono de Natal do funcionalismo e fechar suas contas. De que reclamam, então, os bolivianos? Por que exigem - com protestos violentos que desestabilizam o país de tempos em tempos - a mudança desse modelo econômico aparentemente bem-sucedido?

"O problema central está no fato de que os benefícios dessa política econômica não foram percebidos nesses 20 anos pela massa de dois terços de pobres do país", explica a titular do Departamento de Economia da Universidade Real de La Paz, Sonia Guzman. "Nesse período de números favoráveis da macroeconomia, os postos de empregos formais não evoluíram e a população que vive abaixo da linha de pobreza se mantém na faixa dos 64%. Se temos um crescimento do PIB per capita e, ao mesmo tempo, o mesmo número de pobres, isso significa que a concentração da riqueza aumentou e o modelo adotado não melhorou a vida da população mais pobre."

Pelo discurso de campanha de Morales, "espera-se uma mudança desse modelo, com mais investimentos sociais e em atividades econômicas que gerem emprego", acrescenta Sonia.

Morales tem anunciado a intenção de atrair capital estrangeiro para industrializar principalmente os hidrocarbonetos (petróleo e gás). A lei de nacionalização do setor, aprovada em referendo popular em 2004 com 92% dos votos, já teve o efeito de aumentar os impostos para as empresas estrangeiras que exploram os recursos - como a brasileira Petrobrás. A receita com esses impostos, que em 2004 foi de US$ 200 milhões, deve superar US$ 400 milhões neste ano.

Morales declarou que, assim que assumir o governo, adotará medidas nesse setor, "que não significam confisco nem expropriação das empresas petrolíferas". Apesar de não revelar as medidas, antecipou que seu governo não tem a intenção de "nacionalizar os bens" das petrolíferas estrangeiras.

Os bons números da economia refletem o desempenho das exportações de gás e petróleo - setor que cresceu mais de 50% - e da agroindústria, que cresceu 32,09% de janeiro a novembro. Ambos setores geram recurcos, mas criam poucos empregos diretos. Já o setor de produtos manufaturados teve um crescimento relativamente pequeno, de 7%.