Título: Kissinger condena saída prematura
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Internacional, p. A13

Para o ex-secretário de Estado, retirada do Iraque estimula radicalismo e quebra confiança nos EUA

O ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger advertiu que uma retirada pura e simples do Iraque ativará o que ele classificou de êxtase ideológico dos radicais islâmicos, com o qual eles pretendem neutralizar os valores pluralistas ocidentais, além de enfraquecer a confiança do mundo nos Estados Unidos. Em artigo publicado no jornal The Washington Post, ele diz que o governo americano e seus críticos parecem concordar num ponto: o início da retirada terá uma marca extremamente significativa. O que os divide, ressalta, é a sua velocidade e extensão. Para Kissinger, a questão não está na mecânica da retirada. É muito mais que isso. O debate deveria ser sobre as conseqüências da retirada. Uma saída que fosse interpretada como derrota, insiste Kissinger, solaparia a credibilidade dos EUA ao redor do mundo. A liderança americana e respeito a seus acordos e pontos de vista em outras regiões, da Palestina ao Irã, ficariam enfraquecidos. A confiança de outras potências - China, Rússia, Japão - na contribuição potencial da América seria reduzida. Kissinger acha que não se trata apenas de definir uma estratégia futura, mas de se construir uma base de consultas que inclua aliados europeus, Índia, Paquistão, Turquia e vizinhos do Iraque.

A questão, diz o ex-secretário de Estado, é se a retirada será percebida como algo imposto aos EUA ou como um aspecto de uma estratégia prudente e cuidadosa que leve em ampla consideração o aumento da segurança internacional. Kissinger alerta que as conseqüências de um erro precisam ficar claras qualquer que seja a visão que se tenha sobre a decisão de empreender a guerra do Iraque, o método usado para levar avante a tarefa, ou a estratégia como a conduziram. Se, quando os EUA saírem, diz ele, não deixarem nada além de um Estado falido e caótico, os efeitos serão desastrosos para a região e para a posição americana no mundo.

Para o fenômeno do radicalismo islâmico, uma retirada desastrosa é mais que a soma dos atos terroristas individuais ocorridos em Bali (Indonésia), Nova Délhi (Índia), Túnis (Tunísia), Riad (Arábia Saudita), Istambul (Turquia), Casablanca (Marrocos), Madri (Espanha) e Londres (Grã-Bretanha). Representa o êxtase da ideologia, destaca o ex-secretário de Estado, com a qual o islamismo radical busca neutralizar e varrer o secularismo e os valores pluralistas ocidentais onde quer muçulmanos vivam. Seu dinamismo resulta da convicção de que seus alvos estão em declínio e deixarão de resistir. Kissinger cita alguns eventos que poderiam confirmar a tese do dinamismo revolucionário. Se um regime fundamentalista for instalado em Bagdá ou em alguma outra grande cidade iraquiana, como Mosul ou Basra; se terroristas retiverem um território substancial de treinamento e santuários; ou se o caos e a guerra civil marcarem o fim da intervenção americana, os militantes islâmicos vão ganhar uma grande projeção onde houver populações islâmicas significativas ou governos islâmicos não fundamentalistas (moderados). Nenhum país estará isento dos transtornos promovidos por muitos centros individuais de fanatismo religioso islâmico que pregam a jihad (guerra santa).