Título: Ele só pensa naquilo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2005, Notas & Informações, p. A3

Onze horas de reunião ministerial a portas fechadas representaram, pelo que dela se pôde saber, uma amostra perfeita do que têm sido esses quase três anos da presidência Lula: o crônico transbordamento de palavras, a permanente inocuidade das ações, a inexistência de um projeto definidor de governo, a pobreza de realizações - e a idéia fixa do segundo mandato, agora, a julgar pelas pesquisas, cada vez mais ameaçada de produzir, no plano eleitoral, o mesmo fracasso que está aí à vista de todos, na esfera administrativa. Mas o presidente não tem olhos para essa realidade. Uma interpretação tosca dos dados que sintetizam a passagem pelo Planalto, que ele fará o que puder para prorrogar, parece tê-lo genuinamente persuadido a acreditar na patética retórica do "nunca antes" que vem infligindo sem cessar aos brasileiros. Tem-se a impressão, no entanto, de que até ele começa a perceber que o elogio em boca própria já não alcança o efeito que o deliciava quando os seus índices de popularidade eram quase o dobro dos atuais.

Não terá sido por outra razão que o único resultado efetivo da maratona da segunda-feira foi a anunciada determinação de pôr os ministros para trabalhar - como cabos eleitorais, bem entendido, desse imaginário presidente sem precedentes que, como o Juquinha da anedota, "só pensa naquilo" - a reeleição. "Vocês não podem ter vergonha de defender o governo", proibiu Lula, antes de ordenar que partam "para o enfrentamento", segundo vazou do encontro. Se a ordem for cumprida ao pé da letra, em vez de um palanqueiro serão mais 33 fazendo o que o chefe já não dá conta sozinho.

No papel de arauto do tema dos discursos eleitorais encomendados aos ministros - as apregoadas conquistas do lulismo -, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, disse desde logo uma impropriedade. "Fizemos uma reunião de prestação de contas ao povo" - uma versão no mínimo estranha, considerando que, no encontro ministerial anterior, em agosto, em meio à crise do mensalão, pelo menos a alocução inicial do presidente foi televisionada. Desta vez, nenhuma chance para o povo julgar por si mesmo.

De todo modo, logo se viu no que consistiria a prestação. "Todos os números deste governo", anunciou Ciro, "são melhores, muito melhores ou mais ou menos melhores (sic) que os do governo anterior ou do que qualquer período de oito, quatro ou dois anos anteriores." Nunca antes o "nunca antes" de Lula chegou a tamanho paroxismo. Resta saber como aquela pretensa proeza será comprovada e, mais importante ainda, se será aceita por uma sociedade cujo principal núcleo formador de opiniões - a classe média - se arrepende de ter dado a Lula o crédito de confiança que lhe abriu as portas do Planalto.

Confirmando que tudo que pode dar errado no governo dá errado, o presidente precisou intervir para que a reunião ministerial não descambasse de vez para uma fuzilaria contra a política econômica e, naturalmente, contra o seu mentor, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Nas duas horas finais do encontro, diante de um embaraçado Palocci, diversos ministros cobraram mudanças na política monetária, tributária e de investimentos. Relatos publicados nos jornais de ontem informam que Lula precisou intervir - sem, contudo, entrar no mérito da pendenga. Apenas mostrou os malefícios para o País da "briga de ministros pela imprensa", no que fez bem.

Ele comunicou à equipe que não lhe faltará dinheiro. Quase R$ 8 bilhões já foram liberados para todo o Executivo - e mais virá porque haveria folga para isso. O que faltou foi mostrar alguns projetos de amplo interesse público nos quais investir esse dinheiro. Por justificáveis que sejam os desembolsos para modernizar o trecho Calçada-Paripe do sistema de trens urbanos de Salvador e a implantação do trecho Cajueiro Seco-Tip-Timbi, do sistema do Recife, se espera muitíssimo mais do governo. Sem esquecer que o Nordeste é hoje em dia a única região brasileira onde Lula ainda é o preferido para 2006.

O mais foram promessas de que o próximo ano será "mais parecido com 2004 do que com 2005", como disse Ciro Gomes. Não faltou quem lembrasse que na última reunião ministerial daquele ano o presidente profetizou que, neste, iria colher o que havia plantado. O que ele colheu é notório, tenha sido ele ou não o responsável direto pelo plantio.